(15 de fevereiro de 20150)
O
SONHO DO MENINO DE ITAPAJÉ
Detalhes da vida de:
José Maria de Sousa Melo
(do livro editado em Ano 2000)
(Textos do Livro: O SONHO DO MENINO DE ITAPAJÉ
de Lesley Dornellas - edição 2000)
MENSAGEM ÀS CRIANÇAS E
JOVENS DE ITAPAJÉ
Prezados
amigos,
Este
livrete foi escrito
especialmente para vocês, crianças e jovens da cidade de Itapajé. Ele conta um
pouco da história de alguém que foi menino e adolescente, muitos anos atrás, na
mesma cidade em que vocês vivem. E uma história digna de ser contada, pois
mostra as lutas que aquele menino teve em sua infância, a vida difícil, o seu
esforço para estudar e ser alguém.
Fala
também dos sonhos que sempre povoaram a alma do menino quando, longe daqui,
lutava pela vida no Rio de Janeiro. Naqueles sonhos, vocês estavam sempre
presentes, porque era com vocês que ele se preocupava. Parte do seu sonho
começa a ser realizado agora em Itapajé, com a criação da fundação que levará o
seu nome, cujo objetivo é exatamente prestar serviços à juventude de Itapajé,
ajudando-a a ter um desenvolvimento harmônico, saudável e com boas perspectivas
no futuro.
Leiam
as palavras deste livro com interesse, porque elas refletem muitas das lutas
que vocês mesmos têm hoje, as mesmas inquietações e incertezas quanto ao
futuro e, certamente, o mesmo sonho de construir um mundo melhor, com mais
justiça, com mais igualdade, com mais amor. A vida daquele menino que nunca se
esqueceu de Itapajé é um exemplo para todos vocês.
A ansiedade pelo
nascimento do primeiro filho estava por terminar naquela manhã do dia de Natal.
A gravidez de Eudóxia tinha sido difícil e, por isto, ela e seu marido Bento estavam
rezando para que tudo corresse bem e seu primeiro filho nascesse perfeito, com
muita saúde para enfrentar os dias difíceis que viriam depois. Mas estavam
felizes porque iriam realizar o sonho que todo o ser humano tem de garantir
posteridade, de fazer o milagre da vida continuar na vida de seus filhos. Não
podiam saber se seria menina ou menino aquele ser que ela tinha guardado tantos
meses no seu corpo, bem perto do coração. Naquele tempo ainda não havia a
ultra-sonografia, que revela o sexo de quem vai nascer, facilitando a confecção
do enxoval e até a escolha do nome.
Finalmente,
nas mãos de uma hábil parteira - naquele tempo não havia nenhum médico na cidade - ouviu-se o
choro que sinalizava para os pais ansiosos o surgimento de uma nova vida. Era
um menino! Com o coração saltitando
de emoção,
Bento e Eudócia davam graças a Deus,
como bons cristãos, pelo nascimento daquela criança. Seria muito bonito poder
dizer que o nome escolhido para aquele menino que nascia no dia de Natal, que
comemora o nascimento do menino Jesus, tinha alguma relação com o que havia
ocorrido nas cercanias de Belém da Judéia numa simples estrebaria. Não. O nome
escolhido, José Maria,
nada tinha a ver com José e Maria, os pais de Jesus.
Nossa
história tem então que voltar no tempo para que tudo fique explicado e nós
possamos conhecer todos os antecedentes. Para isto temos que voltar, com os
olhos do coração, ao último quarto do século dezenove para descobrir como
começou a história da família do menino recém-nascido e o porquê de ter recebido o nome de José Maria
de Sousa e Melo.
Comecemos
por Rita Paz de Ávila, sua avó. Quase todos sabem a atração que a conquista de
parte do Amazonas e do próprio Acre, depois comprado pelo Brasil à Bolívia,
exerceu sobre os habitantes do nosso Ceará. No livro "Do Sertão Cearense
às Barrancas do Acre", de autoria de Mário Diogo de Melo, é contada a história de João Gabriel de Carvalho e
Melo, o pioneiro daquela saga de pessoas que enfrentou as maiores lutas para
ocupar e povoar uma imensa fatia da região amazônica. Falando sobre João Gabriel, que era tio da avó de José
Maria. diz aquele autor, ele era "um cearense resoluto que,
tangido por forte desilusão, largou a família e partiu de Uruburetama rumo ao
Amazonas, onde fincou, à custa de muita luta, muita ousadia e determinação, um
marco indelével de sua passagem, desbravando uma parte considerável do imenso
vale amazônico e perpetuando-se na lembrança nacional pela valiosa contribuição
que deu no alargamento de nossas fronteiras". Nessa luta, ele desbravou
os rios Purus e Uáquiri, que depois mudou o nome para Acre, e acabou designando
aquele território, e fundou, com seus companheiros de aventura, a cidade de
Boca do Acre e algumas outras.
Convém lembrar que Uruburetama designava toda a região da qual fazia parte Itapajé, naquele tempo chamada de São
Francisco de Uruburetama. Na década de 1940, a cidade passou a se chamar
oficialmente Itapajé, nome pelo qual os precursores indígenas chamavam a região
em virtude da Pedra do Frade. Para os índios, seria a pedra do pajé, daí o nome
Itapajé, já que todos sabem que ita, na maioria dos idiomas indígenas,
significa pedra.
No ano de 1854, logo depois do nascimento
de sua primeira filha, João Gabriel foi humilhado por seu padrinho, que se
recusou a vender-lhe uma novilha a prestações. Prometendo que só voltaria ao
Ceará tendo mais dinheiro do que seu padrinho, ele deixou tudo para trás,
inclusive mulher e filha. Depois de muitas peripécias, atravessando a pé todo o
Sertão cearense, o Piauí e o Maranhão, trabalhando em todos os lugares por
onde passava, acabou chegando a São Luiz. Passou uns seis meses trabalhando num
convento, onde aprendeu um pouco de francês com os frades, que lhe falaram
sobre o interesse dos europeus com a borracha da Amazônia e da importância
que ela teria no mundo. Motivado por eles, pegou um navio e foi para Belém,
onde trabalhou duro para poder viajar novamente. Acabou chegando às margens do
Rio Purus, na boca do Acre, uns dois anos depois que partira de Uruburetama.
Durante muitos anos, enfrentando e transformando em amigos os índios Apurinãs, Jamamandis e Palmaris, conseguiu êxito em sua
principal tarefa, que era a exploração dos seringais. Cerca de vinte anos
depois, com ótima situação financeira e ostentando o título de comendador. João Gabriel
voltou para Uruburetama e se reencontrou com sua mulher Mariana e sua filha Antônia, que
tinha casamento marcado para dois dias depois.
No
ano seguinte, vindo a grande seca de 1877, que ficou famosa por suas trágicas consequências,
e precisando retomar o contato com suas propriedades em Boca do Acre, João Gabriel decide
regressar à Amazônia, agora na companhia de sua mulher,
de sua filha e seu genro
e de grande parte de sua família. Dessa grande caravana que partiu no ano
de 1878, num navio fretado, faziam parte seu cunhado. Manoel Paz d'Ávila,
irmão de Mariana, e seus filhos, entre os
quais Rita Paz de Ávila, que tinha
apenas quatro
anos de idade. Ela seria muitos e muitos anos depois, justamente a avó paterna do menino José
Maria que nasceu no dia de Natal. Assim, como podemos perceber, aquele menino
era descendente de uma mulher ousada que fazia parte da saga de heróis que aumentaram
o território brasileiro e ajudaram na preservação de suas riquezas. Em sua
vida, ela fez nove viagens à região de Boca do Acre.
Alguns anos depois, a
família de Rita voltou ao Ceará e se radicou na Vila do Curu, hoje uma cidade,
bem junto ao rio do mesmo nome, que é o maior rio seco do Nordeste. Ali ela
conheceu, anos mais tarde, o homem de sua vida, do qual passaremos agora a
falar.
Seu
nome de batismo era José Maria de Sousa
e Mello, filho de importante e rica família do Estado de
Pernambuco, da qual era o caçula. Naquela época era comum, nas famílias
abastadas, destinar o filho homem mais velho à carreira militar e ao mais novo
estava reservado o papel de ser
padre. Este seria o destino daquele José Maria se ele não
houvesse fugido, abrindo mão da herança que lhe seria destinada. Depois de muitas andanças e
cabeçadas, radicou-se em São Francisco de Uruburetama, nossa Itapajé, de onde,
tempos depois, foi para a Vila do Curu, onde conheceu Rita e se apaixonou por
ela. O casamento aconteceu em pouco tempo, como logo se verá.
(Eudócia do Nascimento e Sousa e Bento Ávila e Sousa)
Sua
vida conjugal
e a de seus filhos foi marcada, cada
vez que uma grande seca se fazia presente, com idas e vindas à região da Boca
do Acre, nos cafundós da Amazônia. Cada período desse, somando o tempo das
viagens e da estada, durava dois ou três anos.
José
Maria fez duas pequenas "vinganças" contra seu pai. A primeira delas,
a de tirar parte de seu nome. Passou a adotar o Melo com um ele só. A segunda,
que durou toda a vida, foi a de não passar o nome da família de seu pai para
seus filhos, que foram registrados como Ávila de Sousa, sem o Melo.
Foi
por isto que, ao nascer o menino que seria seu neto, o pai Bento Ávila e Sousa e sua mulher Eudócia do Nascimento e
Sousa, em homenagem ao seu avô, lhe deram seu nome inteiro, Jose Mana de Sousa e Melo. Nenhum outro filho recebeu esse sobrenome. Todos os outros receberam o Sousa, de sua avó paterna, e o
Ávila, de seu bisavô materno, Manoel Paz de Ávila. E por isto que, mesmo
nascendo no dia de Natal, a escolha do nome do nosso José Maria não tem nenhuma
relação com os nomes dos pais de Jesus.
Convém
lembrar aqui um detalhe pitoresco do romance de Bento e Eudócia. Ao chegar a Curu, em 1932 por ocasião de grande
seca. Bento era alfaiate. Para facilitar os seus serviços fazendo o tempo
render mais, procurou encontrar uma pessoa que pudesse fazer as casas e pregar
os botões nas roupas, além de ajudar em outros pequenos detalhes de acabamento.
A moça escolhida para esse trabalho era uma adolescente muito bonita e
habilidosa chamada Rita.
Com
a convivência em sua pequena oficina de costura, acabaram gostando um do outro
e se casaram, mudando a seguir para Itapipoca, onde
nasceu José Maria. Pouco depois, foram morar em Itapajé.
Tudo
corria bem em Itapajé, apesar das dificuldades para o sustento da família,
agora aumentada com o nascimento do menino José
Airton. O Brasil vivia na ditadura de Getúlio Vargas e no mundo, com as atitudes conquistadoras de Hitler,
começavam as
turbulências que dariam origem à Segunda Guerra Mundial.
No
Ceará, como acontecia regularmente de tempos em tempos, veio uma grande seca.
Não havia jeito de ficar em Itapajé e a única solução era o êxodo de quase
todos. Muitos iam para o Sul, mas as famílias que dispunham de algum recurso
para bancar a longa viagem e tinham parentes na Amazônia, era para lá que se
dirigiam. Havia razões bem práticas para isto. Na Amazônia tem peixe e ninguém
morre de fome. Joga-se um anzol, às vezes de dentro de casa mesmo, e você
pesca. Sai um peixe e você come, diferente do interior do Ceará, onde não tinha
peixe, não tinha proteína. Quase todos os que iam planejavam voltar logo depois
que a seca passasse. Muitos não voltaram.
Naquela
seca de 1938 a situação estava muito difícil e a crise era bem grande. Bento e Eudócia decidiram viajar. Tomando os meninos José Maria
e José Aírton, foram para Boca do
Acre. A viagem era longa e cansativa. Tinha-se que ir primeiro a Fortaleza e
depois se pegava um navio até Manaus. De Manaus passava-se para um navio menor
e navegava-se pelo rio Solimões até pegar o Rio Purus. O fim da viagem, que
durou mais de um mês, foi, como já era uma tradição familiar, a Boca do Acre.
José
Maria tem muitas recordações daquela época. A cidade de Boca do Acre era
pequena e se localizava na margem direita do Rio Acre. Havia uma espécie de
península na união dele com o Rio Purus. Existiam poucas casas nesse local,
entre elas a do prefeito; numa outra se instalou a família de Bento e Eudócia. Perto havia um barranco e, de lá, se podia ver
a cidade no outro lado do rio. As casas eram de madeira, com tábuas bem
grossas, e construídas sobre estacas de três a quatro metros de altura. No
inverno, quando chovia, o rio alagava e só se podia sair de casa de canoa.
Uma
coisa que José Maria guardou em sua memória foi à existência de um facão bem
grande, que estava sempre à mão na sala. Porque às vezes as cobras subiam pelas
estacas de sustentação e entravam na casa. Geralmente não eram venenosas, mas
davam um susto danado. A avó e a mãe
de José Maria pegavam o facão e batiam na cobra, cortando sua cabeça. Jogava-se
tudo no rio, lavava-se o sangue do chão e pronto. As crianças se divertiam com
isto. Outras vezes, as cobras subiam no telhado da casa. Havia uma espingarda
de chumbo. Quando a cobra estava no alto, atirava-se nela e ela caía no chão.
Era então a vez de o facão fazer o serviço final, já que os chumbinhos apenas
derrubavam as cobras.
A
vida naquela região era muito inóspita. José Maria pegou impaludismo, ou seja,
malária, e tinha uma tosse terrível, que o povo chamava de "espinhela
caída". O pessoal que contraía a doença apelava para as rezadeiras. Todos os meses chegava lá um navio da "Amazon River", uma companhia inglesa. No navio
sempre havia um médico. Bento levou José Maria para uma consulta com o médico
do navio e ele diagnosticou, além da malária, um tipo de coqueluche. Para ele,
era culpa do clima e, assim, recomendou a volta ao Ceará. Foi mais além,
coincidentemente recomendando as cidades de Itapipoca ou Itapajé, que tinham
clima melhor. Assim, Bento e Eudócia
e os
filhos José Maria,
José Aírton e Juarez, este nascido em Boca do
Acre, voltaram para Itapajé. Bento retomou suas atividades de alfaiate, só que
agora sem a ajuda de Eudócia, cujo tempo mal dava
para o cuidado da casa e das crianças. Durante uns tempos, porque as coisas
estavam difíceis em Itapajé, à família foi morar em
Pedra Branca, onde Bento trabalhava em terras que eram de
parentes de Eudócia. Em Pedra Branca a
família passou quase um ano, voltando, uma vez mais, a Itapajé.
Para
José Maria estava na hora de aprender a ler. Ao lado de sua casa morava uma
professora que todos chamavam de Donana (dona Ana),
que ensinava algumas crianças em casa. Ela era bem idosa e tinha uma fenda na perna, muito feia, que nunca sarava e era conhecida
como "cobreiro". Ela usava remédios bem estranhos sobre a ferida: uma
substância oleosa chamada banha de Tejo ou um sapo morto, aberto ao meio.
Aquela "escola" era muito desconfortável: uma mesa grande e um banco
comprido, sem encosto, na sala da casa. Ela cobrava pouco, mas cobrava.
Depois,
já alfabetizado, José Maria foi matriculado no Grupo Escolar São Francisco de
Uruburetama. Foi um tempo agradável e novidade mesmo era a ida anual para o
Sertão quando as chuvas começavam, no princípio do ano, e se prolongavam até
abril ou maio. Todo mundo que podia ou que tinha uma condição melhor alugava
uma casa ou ia simplesmente trabalhar numa fazenda. O Sertão no verão é muito
seco, mas no inverno é agradável. As aulas só começavam quando as chuvas
terminavam. Quando as chuvas chegavam e a babugem começava a nascer, todo mundo ficava alegre
porque estava chegando a hora da temporada no Sertão. Tomavam banho na chuva e
todo mundo se divertia. Para as crianças, era como se fosse uma despedida de
Itapajé rumo às férias.
(Grupo Escolar)
ADOLESCÊNCIA
A infância decorreu tranquila
para José Maria e seus irmãos menores. A vida era difícil, mas não havia
faltas. Dava até para, de vez em quando, socorrer outras pessoas que tinham
muito menos - inclusive alguns parentes que, tangidos pelas circunstâncias, frequentemente chegavam pedindo abrigo e ajuda. Em tudo se destacava, além de muita atividade
de Bento para suprir a família com o pão de cada dia, o esforço silencioso de Eudócia, muito dedicada no cuidado dos filhos pequenos,
aos quais procurava guiar num caminho de retidão absoluta, e na administração
das coisas domésticas, tarefas nas quais ela juntava muito bom senso e
paciência. Ela era incansável.
A
vida seguia o seu ritmo, mas, como sempre acontece, existe uma hora de decisão
na vida de cada um, a partir da qual tudo passa a ser diferente. As coisas
antigas ficam para trás e o novo toma conta. Foi o que aconteceu com José Maria
quando ele acabou o curso primário e não havia ginásio em Itapajé. Quem tomou a
decisão por ele foi o pai, Bento. José Maria teria que ir para Fortaleza para
continuar os estudos. De início morou numa pensão e, depois, foi morar em casa
de amigos. Nos primeiros tempos foi hospedado amorosamente na casa de Luiz
Vieira, um conterrâneo amigo de seu pai. Depois ficou na casa de João Batelão, grande amigo e meio parente de Bento, que há
muito tempo emigrara para Fortaleza. Finalmente, morou na casa de Lídia e
Antônio Neves, que era um ourives de reconhecida competência. Passou pouco mais
de um ano em cada uma das casas. Conviver com famílias diferentes da sua e
participar da vida de uma cidade grande foram experiências que marcaram a vida
do adolescente José Maria. A saudade dos pais e irmãos era, de certa forma,
compensada pela intensa atividade de estudos e pelas amizades que foram
desenvolvidas naquela cidade grande.
(GINÁSIO 7 DE SETEMBRO - Primeira Sede)
O
curso foi feito no Ginásio Sete de Setembro, de orientação protestante, dirigido
pelo Professor Edílson Brasil Soares, que era um grande educador. A orientação
pedagógica ministrada era muito avançada para seu tempo. Com uma visão de
desenvolvimento global, ela era
fortalecida por intensas atividades culturais e esportivas. José Maria deve
muito de sua formação moral ao professor Edílson; ele era muito dedicado e,
também, muito amado por todo o corpo discente. A atividade extracurricular que
mais encantava José Maria era o Grêmio Sete de Setembro. Ele participava
ativamente de todas as programações e foi justamente no grêmio que desenvolveu
a habilidade de falar em público e enfrentar auditórios. Numa dessas atividades
teve que discorrer sobre o Chile. Estudou muito e fez uma bonita apresentação.
Coincidentemente, mais de dez anos depois, foi justamente aquele país o cenário
de sua primeira viagem internacional, onde, como representante da Associação
Cristã de Moços do Rio de Janeiro, foi o único brasileiro que participou de um
Congresso Latino-americano de Jovens.
(Associação Cristã de Moços do Rio de Janeiro)
Terminado
o ginasial, voltou para Itapajé.
Seu pai não tinha condições de continuar financiando seus estudos e, para fazer
o curso científico, teria que voltar a Fortaleza. Naquele tempo não havia essa
classificação de primeiro e segundo grau, só os cursos primário, ginasial e científico ou clássico - este destinado a
futuros estudantes da área de Direito e de Letras, e o científico para quem se
destinava às áreas de Medicina e Engenharia. Por interferência de Luiz Vieira
(em cuja casa havia morado em Fortaleza), que era alto funcionário do antigo
DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - foi trabalhar no
escritório do Açude Santo Antônio, que estava sendo construído na cidade de
Santa Maria, no Sertão, a uns 70 quilômetros de Itapajé. Ficou lá um ano e, sempre
que podia, dava uma escapada para rever a família.
Nessa
época, Eudócia ficou grávida mais uma
vez. Já quase ao final da gravidez ela teve um pesadelo, se assustou muito e
teve um parto prematuro, seguido de grande hemorragia. Como não havia sequer um
médico na cidade, somente parteiras,
sem
experiência nesse tipo de emergência, ela e o feto morreram em poucas horas.
José Maria, que tinha então dezesseis anos, foi surpreendido em Santa Maria
pela chegada de um caminhão cujo motorista procurava por ele e tinha ordens de
Bento para levá-lo de volta a Itapajé. Pressentindo que a coisa era grave, que
sua mãe houvesse morrido, viajou muito preocupado. Sua triste expectativa se
confirmou. Ele chegou para o enterro dela.
Foi
uma experiência muito forte para aquele menino adolescente que, como filho mais
velho, era muito ligado à mãe. Ficou muito abalado, da mesma forma que seu pai,
que quase morreu de tristeza, pois deixou de comer e acabou pegando uma
pneumonia. José Maria, sofrendo a separação da mãe, ficou muito preocupado com
ele e com as responsabilidades que teria que ter, por ser o primogênito, com
seus irmãos pequenos, caso ele morresse também. Felizmente, Bento se levantou e
continuou sozinho na tarefa de cuidar dos seus seis filhos.
Na
última vez que conversou com sua mãe, um mês antes dela morrer, ela disse a
José Maria que ele precisava dar um jeito de ir embora do Ceará para estudar,
trabalhar e se preparar melhor para a vida. Nesse momento, como se fosse para
marcar indelevelmente o seu conselho, ela lhe
deu de presente um lenço, no qual carinhosamente bordara o seu nome, da mesma
maneira como ela o chamava, "Zé Maria". Até hoje aquele lenço, que já
tem quase meio século, está guardado carinhosamente por José Maria. É a única
coisa dela que ficou. Aquela conversa íntima entre mãe e filho e o último
conselho que ela lhe dera, tudo voltou de maneira muito nítida à mente de José
Maria tão logo ele voltava do enterro. Assim, o quase menino José Maria,
baseado no conselho de sua mãe e com a plena concordância de seu pai, tomou a
decisão que certamente mudou a sua vida e a de seus irmãos: ir para o Rio de
Janeiro.
Sua
formação era uma grande preocupação de seu pai, que também achava que ele
deveria ir para o Rio de Janeiro, em face das poucas chances em Itapajé ou
mesmo em Fortaleza.
O
primeiro problema seria, além da viagem, o de residência. Onde morar? Bento
escreve então para Casemiro Demóstenes
Salles, sobrinho
de seu padrasto, que trabalhava no Serviço de Fiscalização da Medicina. Ele
concordou em hospedar José Maria em sua casa. As providências para a viagem
foram então tomadas. A primeira delas, juntar algum dinheiro para as despesas
iniciais, que envolveriam as passagens, as refeições durante a viagem e alguma
coisa para aguentar até receber algum dinheiro no emprego que ele pensava
conseguir rapidamente no Rio de Janeiro.
Antes
da viagem José Maria encontrou-se com o padre Evaristo, pároco de Itapajé, que lhe deu bons conselhos.
Além dos documentos, o padre achava que ele deveria ter um ponto adicional de
referência, porque poderia não encontrar, por algum motivo, o parente no Rio de
Janeiro. Passando da palavra à ação, escreveu uma carta de apresentação a um
conhecido, a quem deveria procurar em caso de emergência.
Em
Fortaleza, onde pegaria o caminhão para o Rio de Janeiro, José Maria
encontrou-se com Edilson Brasil Soares, o diretor do ginásio onde estudara, que
também lhe deu uma carta de recomendação. E fez um pouco mais. Não só aconselhou-o
a tirar sua carteira profissional de menor, como colocou nela que José Maria
tinha trabalhado alguns meses como empregado do seu ginásio. Partiu então para
sua aventura no Rio de Janeiro, com pouco dinheiro no bolso, mas cheio de
esperanças de que todos os esforços valeriam a pena. Diferentemente da antiga
canção de Caetano Veloso, José Maria, ao partir
rumo ao desconhecido, levava consigo todos os documentos e, como um talismã, o
lenço que fora o último presente de sua mãe.
(Pau de Arara)
O
velho e desconfortável caminhão ´Fargo´ seria então a casa de José Maria
durante a cansativa viagem. O caminhão era coberto por uma lona e os bancos
eram de madeira - o encosto era uma simples corda amarrada de um lado a outro
da carroçaria. As estradas não eram asfaltadas e tinham muitos buracos. O caminho foi longo, atravessando o Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, o antigo Estado do Rio até chegar à
capital do País na época, o Rio de Janeiro. O caminhão parava em pensões na
estrada, onde se vendia, por dois ou três cruzeiros da época, um prato feito
com feijão, arroz e um pedaço de carne. Dormia-se em pensões infectas, já que
não se podia viajar à noite, em decorrência da má qualidade das estradas.
Às
vezes o caminhão atolava no barro. Como chovia muito na região que fica entre Teófilo Otoni e Caratinga, em Minas Gerais, o caminhão atolou
diversas vezes e era um custo para desatolar, gastando-se horas. Todo o mundo
descia do veículo para diminuir o peso e também para ajudar a empurrá-lo.
O
caminhão carregava quase quarenta passageiros, sendo poucas crianças. Todo o
mundo estava tentando melhorar de vida. Algumas pessoas, como José Maria,
tinham um ponto de referência, isto é, parentes ou amigos no Rio de Janeiro; a
grande maioria, porém, era de gente que estava viajando sem saber o que fazer e
sem ter para onde ir.
Finalmente,
depois de oito dias de viagem, José Maria chegou ao Rio de Janeiro,
desembarcando no bairro de São Cristóvão e pegando alguns bondes para chegar ao
bairro de Irajá, onde morava seu futuro anfitrião, o mencionado Casemiro. Ao
fazer o balanço do que lhe restara em dinheiro, José Maria constatou que lhe
haviam sobrado cerca de 200 cruzeiros, o equivalente hoje a pouco mais de vinte
reais.
EM BUSCA DE UM EMPREGO
O
plano principal de José Maria era estudar, mas, antes de tudo, era necessário conseguir um emprego. Não teve tempo de descansar depois da longa viagem. No
dia seguinte, já bem cedo, saiu de casa com o objetivo de ir a um laboratório
que fabricava remédios à base de ervas medicinais, localizado no bairro do
Méier. Era uma sugestão de seu anfitrião, que lá conhecia alguém. Também lhe
tinham informado que um restaurante no mesmo bairro estava precisando de um
ajudante. Fez uma longa viagem de bonde, primeiro até Madureira, de lá pegando outro para o Méier.
Deslumbrado
com tudo o que via, assentado no banco da frente, fez várias perguntas ao
motorneiro e, ao mesmo tempo, lhe informava que tinha chegado do Ceará e estava
tentando arranjar um emprego no restaurante. O motorneiro lhe deu um conselho
muito sábio, o de não ir trabalhar no restaurante, já que teria que trabalhar
muito, inclusive aos sábados e domingos. Para ele, não haveria futuro nesse
emprego. Como futuro era justamente o que o jovem José Maria estava procurando,
ele tentaria o laboratório.
Voltou no mesmo bonde. Perto do laboratório entrou
numa farmácia, para indagar a localização da rua. Foi um achado, pois conheceu
alguém que se interessou por ele ao saber de sua história e lhe acenou com a
possibilidade de emprego na farmácia de um cunhado, no bairro do Catete. Deu a
José Maria o endereço e um cartão de apresentação. Como José Maria tinha o ginasial, o desconhecido achava que ele pudesse ganhar
aquele emprego.
Deixando
para trás o laboratório, José Maria tomou três bondes e, mais de duas horas
depois, finalmente chegou à Rua do Catete, a mesma Rua do Palácio do Catete,
onde vivia o então presidente Getúlio
Vargas. Ao
chegar, encontrou-se de novo com o cunhado do dono da farmácia, que acabou lhe
apresentando pessoalmente ao Sr. Mário, farmacêutico e dono da Farmácia
Central. Acertaram o salário e combinaram que ele começaria a trabalhar na
segunda-feira de manhã. No segundo dia no Rio de Janeiro, a primeira parte do
plano de José Maria já estava conseguida, um emprego, no qual começou fazendo
embrulhos.
Apesar
de nenhuma experiência comercial, José Maria se deu muito bem. Quando ainda
estava estudando em Fortaleza, a leitura de dois livros, ambos indicados pelo
já citado professor Edilson, lhe havia impressionado muito. Um deles, o
clássico livro "Como fazer amigos
e influenciar pessoas", de Dale Carnegie, e o outro,
"Seja perfeito em tudo que fizer", de Marden. Essas leituras lhe
foram muito úteis em seu novo emprego, principalmente pelo contraste das
atitudes de José Maria com as dos balconistas da farmácia, que normalmente não
eram corteses com os clientes. De maneira intuitiva, José Maria aplicava em seu
trabalho uma regra que muitos anos depois ficou clássica em administração e
negócios, ou seja, "o cliente em primeiro lugar".
Por
isto, foi promovido a vendedor, ganhando um pouco mais. Como também tratava
muito bem os colegas, estes o ajudaram a identificar os medicamentos e os
laboratórios que os fabricavam, o que era muito importante, já que os produtos
eram colocados nas prateleiras laboratório por laboratório. Tinha, portanto,
que fazer a imediata ligação do remédio com o fabricante, para localizá-lo
rapidamente. Seis meses depois, nova melhoria. Agora, metade de seu tempo de
trabalho era na manipulação, ajudando o farmacêutico contratado, que estava muito assoberbado.
A farmácia transformava em pequenas embalagens produtos que
eram comprados a granel, como bicarbonato
de sódio, mercúrio-cromo, tintura de iodo, acetona, água oxigenada, etc. O trabalho de José Maria consistia em produzir, isto é, medir ou pesar, embalar e rotular. Esses
produtos davam muito lucro à farmácia. O restante do tempo ele trabalhava no
balcão. Depois de algum tempo passou a aplicar injeções também. Com muita
criatividade, José Maria comprou uma seringa e treinou em laranjas, até
aprender bem a tarefa. Naquele tempo ainda não havia seringas descartáveis e
tinha-se que ferver a seringa e a agulha.
Um
dos inconvenientes do emprego eram os plantões de domingo, três por mês. Nos
sábados o trabalho era normal. Assim, José Maria só tinha um dia de folga no
mês.
Logo
no início do ano seguinte, José Maria voltou a estudar. Conseguiu uma bolsa do
Ministério da Educação e começou a fazer o científico no Educandário Ruy Barbosa, que ficava perto
da farmácia. Fazia as refeições num bar que havia junto ao Largo do Machado,
onde havia uma garagem de bondes. Esse bar era muito usado pelos motorneiros e
condutores, já que vendia comida bem barata. Além do mais, fazendo uma boa
amizade com o pessoal do bar, ele era sempre bem servido, e recebia em seu
prato mais ovos e pedaços de carne.
Durante
muito tempo continuou morando em Irajá, o que lhe tomava muito tempo de viagem.
Pouco depois a família que o hospedava mudou-se para o bairro de Cascadura, mas
ainda era muito longe do Catete. Ganhando um pouco mais, José Maria acabou indo
morar no bairro da Glória, alugando um quarto, que repartia com um primo, numa
casa que tinha doze quartos, todos alugados a estudantes na base de dois ou
três em cada um.
A
vida estava melhorando, os estudos prosseguiam e José Maria pretendia fazer o
vestibular de Medicina.
O PROPAGANDISTA JOSÉ MARIA
Trabalhando
no balcão, José Maria começou a reparar uns jovens bem apessoados, sempre de gravata, que estavam sempre pela
farmácia. Algumas vezes eles lhe pagavam cafezinhos e eram muito simpáticos.
Eram propagandistas de laboratório e, no
íntimo, José Maria pretendia ser um deles. Sabendo que havia um cearense como
chefe de propaganda do Laboratório Biochímico, no bairro de Botafogo, foi lá e
se candidatou. Ele tinha agora 18 anos e sabia que os laboratórios queriam
gente com mais idade. Mesmo assim, vestindo o temo de linho branco S-120 que havia trazido do Ceará, foi e agradou,
embora o entrevistador tivesse reclamado de sua pouca idade, temendo que os
médicos não o levassem a sério.
Acabou
assumindo o risco e o contratou por três meses de experiência. Deu-lhe um
valioso conselho: que saísse bem da farmácia, pois poderia precisar do antigo
emprego - coisa que José Maria nem sequer imaginava que pudesse acontecer.
Trabalhou muito duro, fazendo vinte visitas por dia, muito mais do que pediam.
Além do mais, era o primeiro a chegar aos hospitais e trabalhava até bem tarde,
dando tudo para garantir o emprego.
Com
o tempo, José Maria percebeu que, embora estivesse ganhando bem mais do que na
farmácia, havia laboratórios que pagavam melhor. Alguns propagandistas tinham até automóvel, um sonho de consumo que,
naquela época, pouca gente podia ter.
Assim,
procurando melhorar, foi trabalhar no Laboratório Lutécia, que pertencia a um francês. Viveu boas experiências
e ficou lá mais alguns anos. De uma coisa José Maria não pode se esquecer: do
produto Figuestomil, um xarope fortificante
à base de
vitamina B12, ferro e outras coisas. Depois resolveram fazer o
Figuestomil injetável, mas sua aplicação doía muito, de deixar mancha roxa, e
os médicos e aplicadores de injeção reclamavam muito, baseados nas queixas dos
doentes. Como o gerente achava que as vendas estavam fracas, a única desculpa
era a dor da aplicação. Um dia ele aumentou a dosagem da substância anestésica, mas continuava doendo.
Num
sábado (sempre havia reuniões aos sábados) José Maria percebeu um aparato todo
especial e uma enfermeira toda uniformizada. Mediante as reclamações sobre a
dor da aplicação, o chefe avisou que havia aumentado à dosagem do anestésico e que agora não doeria mais. Mandou então, para demonstração de sua
afirmativa, que a enfermeira aplicasse uma ampola em cada um dos propagandistas. Todos sentiram na própria pele que a injeção
doía muito. Semanas depois, percebendo que a enfermeira estava lá outra vez, ao
ser indagado se o produto continuava doendo, José
Maria, cruzando os dedos, respondeu que não havia recebido nenhuma reclamação.
Quem disse sim acabou tomando outra injeção, que continuava dolorosa.
Corria
o ano de 1958. José Maria fez o vestibular, mas não conseguiu aprovação. Na
realidade, não tivera tempo para se preparar melhor, o que só se conseguia
fazendo aquilo que chamavam de cursinho,
um curso
especializado em preparo para o vestibular. Foi aí que, num domingo, viu no Jornal do Brasil um anúncio grande procurando propagandistas para o Winthrop (The Sydney Ross Co.), um laboratório multinacional que pagava
muito bem. Foi lá e havia mais de sessenta pessoas esperando ser entrevistadas -
bancários, estudantes e muitos propagandistas,
como José
Maria, atraídos pelo salário.
Todos
fizeram testes e foram entrevistados por um executivo holandês chamado Hendrick Ten Berge, que todos chamavam Mister Rank. Na entrevista, ele pediu a
José Maria, para simular a venda de uma geladeira, a um esquimó e, de fósforos,
para um possuidor de isqueiro. Acabou sendo contratado. O salário era o dobro e
ainda havia uma ajuda para alimentação, que representava mais uma economia,
pois José Maria almoçava e jantava no restaurante da Casa do Estudante, que era
muito barato.
O
sonho de estudar Medicina continuava. Fez novamente o vestibular, mas outra vez
não passou. Havia no Rio de Janeiro apenas três escolas de Medicina e muita
concorrência. Acabou desistindo, mas nem ele poderia imaginar que, muitos anos
depois, teria sua própria empresa e, através dela, ajudaria toda a classe
médica brasileira a se atualizar através das revistas e livros de Medicina que
ele editaria.
No
Winthrop, José Maria se aperfeiçoou, fez muitos cursos e acabou tendo merecidas
promoções. Saiu de lá em 1963, dando uma guinada em sua vida para entrar
justamente no campo das publicações médicas, onde passou a ser conhecido por
Melo, seu último sobrenome.
EDITANDO REVISTAS MÉDICAS
Saindo
do Winthrop, José Maria, o Melo, foi trabalhar na revista O Médico Moderno. Depois
de trabalhar em São Paulo, voltou ao Rio para assumir a gerência comercial para
aquela cidade. Foi muito bem-sucedido, mas, ao iniciar nesse novo ramo,
ninguém, nem mesmo ele, poderia sequer imaginar o que aconteceria depois. Ao
fazer negociações representando sua empresa para a aquisição de uma revista
médica que passava por dificuldades financeiras, não houve acordo e ele acabou
sendo convidado pelo proprietário dela para assumir a empresa e, consequentemente, a revista. Ele não tinha dinheiro para essa
aquisição, mas, ajudado pelo próprio vendedor, que lhe financiou a venda e
ainda emprestou dinheiro, comprou o
Jornal Brasileiro de Medicina, o
JBM, que em poucos anos de trabalho duro assumiu a liderança no
mercado brasileiro, posição que ocupa há mais de vinte anos. Nos passos do JBM vieram outras
publicações de sucesso, como
Suplemento Cultural, Pediatria Atual, GO Atuais e o
DEF - Dicionário de Especialidades Farmacêuticas, editado
anualmente, que contém informações minuciosas sobre os produtos farmacêuticos
disponíveis no mercado brasileiro. Além das publicações regulares,
José Maria
criou em sua empresa, a "EPUC - Editora
de Publicações Científicas", um serviço de criação e produção de materiais
de Educação Médica Contínua, responsável ela editoração de valiosos materiais
de atualização
científica. José
Maria é membro efetivo
da Academia Cearense de Ciências,
Letras e Artes do Rio de Janeiro, onde ocupa a cadeira 49, cujo patrono é o escritor cearense Oliveira Paiva.
JOSÉ MARIA E SEUS IRMÃOS
Depois
dessa resumida menção de seu sucesso profissional, vamos voltar um pouco à vida
pessoal de José Maria. A maior preocupação de José Maria era com seus irmãos,
que haviam ficado no Ceará. Pouco a pouco, com muito esforço (tentando
conseguir escolas onde pudessem estudar gratuitamente ou pagando o ensino e
moradia com trabalho), os irmãos foram chegando e sendo encaminhados ao
estudo.
O
primeiro a chegar foi Júlio, que se submeteu a um teste e foi admitido numa
escola agrícola de Pinheiral, no Estado do Rio. No
segundo ano foi à vez de Juarez
que, mesmo
fora da idade, se integrou perfeitamente no grupo. A seguir veio José Aírton, que foi trabalhar como propagandista, seguindo os passos do irmão José Maria. Nessa
altura, Júlio já estava estudando na Escola de Agronomia de Viçosa, uma das
melhores do Brasil. Aírton depois foi estudar
Agronomia na Universidade Federal Rural, localizada no Km 47 da antiga Estrada
Rio - São Paulo, no Estado do Rio, mesma escola que Luis Carlos, o mais novo dos homens, também se formou em
Agronomia. Juarez fez escola técnica e
voltou ao Ceará, onde passou alguns anos.
Nas
férias escolares todos iam para o Rio de Janeiro, onde ficavam com José Maria e
faziam alguns "bicos" para ter reservas para alguma despesa extra. Juarez trabalhava num bar de conhecidos e Luis Carlos numa casa de brinquedos. Finalmente a
irmã Rita Eudóxia, cujo nome é composto
pelos nomes de sua avó e de sua mãe, também viajou para o Rio de Janeiro, onde
estudou Administração de Empresas e formou-se em Ciências Contábeis.
Todos
os irmãos de José Maria se destacaram em suas atividades profissionais, mas
vale a pena fazer um registro especial sobre Júlio César. Formando-se em
Agronomia, ele foi trabalhar no Instituto Brasileiro do Café - IBC, estando
envolvido num programa de erradicação de pragas. Financiado pelo próprio IBC,
voltou a Viçosa para fazer o curso de mestrado. Posteriormente foi fazer doutorado na Universidade de Gainesville, nos Estados Unidos.
Voltando
ao Brasil, destacou-se ao desenvolver técnicas para o combate à "doença da
cara inchada", que vitimava grande parte dos rebanhos bovinos.
Luis
Carlos,
que trabalhou muito tempo com José Maria no JBM, tem hoje sua própria empresa, que é dedicada à
editoração e venda de livros de Medicina e Odontologia. Rita, por sua vez,
trabalha no JBM, onde é responsável
pela administração financeira. A morte ceifou prematuramente dois dos irmãos
de José Maria. Juarez faleceu vítima de uma
pancreatite aguda e José Aírton, de maneira trágica. Foi sequestrado e morto,
por um funcionário do JBM, justamente uma pessoa que havia sido empregada por
ele, como vigia das instalações da empresa, no Rio de Janeiro. Frutos do
segundo casamento de Bento, José Maria tem ainda os irmãos Edmar de Sousa Ávila e Eudóxia de Sousa Ávila.
A MULHER
DE SUA VIDA
Antes
de voltar aos Estados Unidos ela resolveu estudar Filosofia no Rio de Janeiro.
Fez o vestibular, mas sua turma tinha notórios ativistas do Partido Comunista,
então na ilegalidade, inclusive uma filha de Luiz Carlos Prestes. Como não era
de ficar quieta, rebatia, com grande conhecimento de causa, as mentiras que os
colegas diziam sobre as grandes realizações e a pretensa democracia que existia
na União Soviética. Recebeu muitas ameaças e informações de que planejavam sua
morte por "acidente".
Deixou
o curso de Filosofia, passou a estudar Física, mas, pouco tempo depois, foi
estudar nos Estados Unidos, na Universidade de Nova Iorque. Durante sua
permanência intensificou os contatos com a colônia letoniana e com pessoas que
queriam fazer alguma coisa para libertar sua pátria. Alguns anos mais tarde ela
seria presidente de uma associação que tinha como finalidade a libertação dos
países oprimidos do Leste Europeu. Tinha quase certeza de que, um dia, as duas
Alemanhas se uniriam de novo e isto seria o estopim para a destruição da União
Soviética e consequente libertação de muitos países, inclusive de sua querida
Letônia. Infelizmente ela não viveu para ver que tinha toda a razão nas suas
previsões.
José
Maria passou alguns anos sem vê-la. Reviu-a no Rio e ela estava de muletas. Recém-chegada
dos Estados Unidos – havia sofrido um acidente em Belfort Roxo, cidade da chamada Baixada Fluminense.
Retomaram à antiga amizade e iniciaram um namoro que não foi adiante. Ambos
tinham medo de casamento. Ela conseguiu um emprego na SAS, uma companhia dinamarquesa de aviação, tendo oportunidade
de viajar muito e continuar colaborando para a causa de sua vida, a libertação
da Letônia.
Fazendo
um curso de inglês em Londres, José Maria foi surpreendido um dia com a
presença de Anita, que estava vindo dos Estados Unidos. Reiniciaram o namoro e
fizeram uma viagem de carro pelas "Highlands",
as terras
altas da Escócia - uma região muito bonita, com castelos maravilhosos, onde se
produz o melhor uísque do mundo. A viagem romântica foi palco da decisão de
casamento, que ocorreu em Nova Iorque algum tempo depois.
Foi
um período muito bom para ambos. Para ela, o casamento abriu novos horizontes
em sua vida e ela pôde atenuar um pouco a sua raiva da União Soviética. Para
José Maria também foi muito bom. Com sua grande cultura e sensibilidade, mais o
domínio de muitos idiomas, ela o ajudou muito na consolidação da empresa que
dirigia. Muito jovem, com apenas 42 anos, Anita morreu logo após uma pequena
cirurgia de pálpebra, em virtude de uma
embolia pulmonar.
Em
homenagem a sua memória e para que ela nunca seja esquecida, a propriedade na
qual se erguerá a Fundação José Maria de Sousa e Melo, o sonho do menino de
Itapajé, chamar-se-á Jardim Anita. E isto porque, visitando Itapajé algum tempo
antes que nos deixasse, ela se condoeu
de
crianças pobres que viu e achava, nas conversas com o marido José Maria, que
eles deveriam fazer alguma coisa. A fundação atenderá ao sonho que também era daquela moça bonita chamada Anita.
Uma
das coisas que mais impressionaram Anita ocorreu no alto Sertão do Ceará, onde testemunhou
emocionada, o enterro de uma criança, de um "anjinho", como se dizia.
O pequeno caixão branco foi levado ao cemitério, como era de hábito, carregado
por crianças e só elas participavam do enterro, orando juntas, no sepultamento,
o Pai-Nosso. Nesse cortejo misturavam-se a seriedade e choro de algumas com a
alegria e brincadeiras de outras, para as quais a morte de uma criança era,
infelizmente, uma coisa muito banal.
A
preocupação de José Maria com as crianças e jovens de Itapajé juntou-se às de
Anita e agora, passado o tempo, chegou a hora de resgatar aquele sonho e
transformá-lo em realidade.
Neste breve relato sobre
a vida de José Maria, a Associação Cristã de Moços, conhecida como ACM, não
poderia ser esquecida, nem a boa influência que ela exerceu sobre a vida dele.
A ACM existe em muitos países e em algumas cidades do Brasil. Não pertence a
nenhuma religião, mas suas atividades são baseadas nos ensinos de Jesus Cristo.
Desde
muito jovem José Maria tem sido seu associado e dado uma relevante contribuição
à obra que ela realiza. Por força desse envolvimento, acabou sendo eleito para
a presidência da ACM do Rio de Janeiro, que ocupou por dois mandatos
consecutivos, e ainda faz parte de sua diretoria. Ele tem representado a ACM do
Rio de Janeiro em muitas reuniões internacionais. Um dos lemas da instituição é
o antigo "mens sana in corpore sano", isto é, "mente sã
em corpo são". Ao lado de suas atividades educacionais e filantrópicas, a
ACM dá grande importância à prática do esporte como meio de fortalecer não só
o corpo, mas o caráter também. A prática disciplinada da atividade esportiva,
além do seu aspecto lúdico - a ACM tem comprovado isto em todo o mundo -, é
fator importante no desenvolvimento individual de crianças e jovens.
A
atuação da ACM é simbolizada por um triângulo equilátero cujos vértices são as
palavras alma, mente e corpo. O desenvolvimento da alma se dá com a religião, o
da mente com o estudo e aquisição de cultura e, finalmente, o corpo através da
prática de esportes.
O SONHO DO MENINO DE
ITAPAJÉ
O
sonho é arrojado e, por isto, não pode ser realizado de um dia para o outro. Da
mesma forma que a caminhada de uma milha começa com o primeiro passo, como nos
diz a sabedoria popular, é assim que será feito. No fundo do coração de José
Maria o que existe é o sonho da futura Universidade
de Itapajé. José Maria sabe que isto ainda vai demorar algum tempo, mas o
primeiro passo está sendo dado agora.
No
futuro Jardim Anita, uma ótima propriedade com mais de 30 hectares já está
reservada para a localização da Fundação. Os primeiros passos já estão
determinados para o início das atividades e eles contemplam não só serviços às
crianças e jovens, mas a seus professores também. Vejamos.
No
Jardim Anita, tão logo a fundação se constitua legalmente - o que acontecerá
em breve -, serão construídos campos de futebol (de salão e de campo), quadras
de basquetebol e voleibol, pistas para
atletismo, corridas e saltos e uma piscina. Essas instalações serão utilizadas
de maneira ordenada por toda a população estudante de Itapajé, sem custo de
nenhuma espécie. Faz parte do sonho. Ver no futuro, atletas de Itapajé
competindo em olimpíadas e honrando o nome de nossa pátria.
Outro
projeto inicial será a Casa do Professor, um local de encontro para os
professores de Itapajé, não só para lazer, mas também para aperfeiçoamento
profissional. Vamos ter nessa casa, além de salas de aula e conferências,
equipadas com bons recursos eletrônicos, uma boa biblioteca para os
professores. Isto está faltando em Itapajé e em breve será uma realidade. A Casa
do Professor funcionará como um autêntico centro cultural. Uma coleção de
filmes permitirá que os professores e jovens - e por que não, toda a população
de Itapajé? - tenham oportunidade de assistir, no telão, as mais importantes produções cinematográficas.
Ainda
como parte da etapa inicial, logo depois desses planos serem concretizados,
serão disponibilizados aos jovens de Itapajé cursos profissionalizantes,
práticos por excelência, que se destinarão a criar melhores oportunidades de
trabalho. Pensa-se em cursos de processamento de dados (não só de utilização
dos computadores, mas de sua manutenção também), em cursos de mecânica de
automóveis, de atividades do dia-a-dia, como bombeiros hidráulicos,
eletricistas, técnicas de marcenaria e outros que se fizerem necessários, de
acordo com a opinião da população de Itapajé, que terá muita força na fundação.
No
devido tempo estaremos criando lastro para a implantação de cursos regulares que levarão, se Deus quiser, à Universidade de
Itapajé.
A ORGANIZAÇÃO
Tudo
está sendo planejado de forma muito criteriosa, para que o desenvolvimento da
fundação se faça de maneira harmoniosa, com passos firmes e seguros, para que
a caminhada não seja nunca interrompida. Por isto, atendendo à legislação sobre
o assunto, a fundação será oficializada em escritura pública e terá que ter a
aprovação da Justiça para seu funcionamento. Para fazerem parte do seu Conselho
Consultivo serão convidadas pessoas de destaque de Itapajé, sem abrir-se mão da
contribuição de pessoas de outras cidades do Brasil, que se juntarão a nós com
uma visão bem ampla da problemática social e perfeitamente entrosadas com os
sonhos de José Maria.
É
óbvio, mas vale a pena ressaltar que a fundação não terá fins lucrativos. O
grande terreno onde será instalada, bem como as primeiras construções, serão um
presente de José Maria que, com isto, começa a transformar em realidade o seu
sonho e o de seus irmãos José Airton,
Juarez, Júlio
César, Luis Carlos, Rita Eudócia, Edmar e Eudóxia.
Realizar
integralmente o sonho vai depender de muito mais. Vai depender de vocês, caros
leitores, crianças e jovens de Itapajé.
No
dia-a-dia, participando dos serviços de instalação da fundação, ajudando em
tudo o que for possível, divulgando a obra, fazendo tudo o que estiver ao
alcance de vocês, a fundação tornar-se-á em pouco tempo uma risonha realidade. E quem vai lucrar com isto, além de
vocês, será toda a cidade de Itapajé.
Um
antigo provérbio popular diz que "Até
um anão vê mais longe quando está nos ombros de um gigante". Olhem
para o futuro, usem os olhos do coração. O que vocês verão com certeza, no
futuro que está por vir, serão os alunos da futura Universidade de Itapajé, da
Fundação José Maria de Sousa e Melo, indo para as aulas, confiantes no amanhã,
cheios de oportunidades. Esses alunos serão os seus filhos e os seus netos.
Deus nos ajude a ajudar José Maria, o antigo menino de Itapajé e o humanista de
hoje, a realizar os seus sonhos, que certamente são os de vocês também. As
gerações do futuro certamente agradecerão por isto.
Vocês
estão tendo a oportunidade de ajudar a escrever o futuro da cidade de Itapajé.
O MENINO DE ITAPAJÉ
MENSAGEM
DE JOSÉ MARIA DE SOUSA E MELO
AOS JOVENS DE ITAPAJÉ
“Amigos muito bondosos
tiveram a ideia de produzir este livrete que está
chegando às mãos de vocês com informações sobre a minha vida. Relutei muito
porque não me move - Deus é testemunha disto - nenhuma vaidade nos planos que,
em breve, começarão a se tomar realidade.
Esses amigos me
convenceram que seria bom contar à juventude de Itapajé esta história sintética
de minha vida, com as dificuldades que nossa família enfrentou, e de que
maneira todos, unidos, as vencemos. Sou muito grato a eles, que até, embora
isto não fosse necessário, patrocinaram a produção e impressão deste material e
garantiram sua distribuição à população jovem de minha cidade.
Sou grato especialmente
a meu amigo de mais de quarenta anos, Wesley Dornellas, autor deste texto, que esteve junto em grande parte dos
acontecimentos narrados, tendo conhecido meu pai, todos os meus irmãos, Anita e
até outras pessoas presentes neste relato. Ele foi um dos meus primeiros chefes
na Winthrop. Eu o
parabenizo pelo bonito trabalho que fez, pela clareza da narrativa e por seu
estilo de escrever, claro e objetivo. Devo confessar que, apesar de ser a
história de minha vida, a leitura dos originais muitas vezes me fez derramar
lágrimas de saudade de minha mãe, de meu pai, de minha avó e de meus irmãos
que já se foram.
Dou muitas graças a
Deus por minha vida. Pelas alegrias e também pelos sofrimentos, pelas vitórias
alcançadas e também pelas decepções, perdas e tristezas. E nessa mistura de
emoções contraditórias que se fundiram o meu caráter e a minha personalidade.
Concordei com a ideia
deste livrinho não por
mim, mas porque em seu texto são relembrados detalhes da vida de pessoas muito
queridas, que foram, e continuam sendo, fatores de inspiração para minha vida.
Muito mais do que meus
sonhos, meus desejos e minha vontade de realizar o que está sendo planejado,
devo confessar que tudo isto foi plantado em minha mente e em meu coração por
meus pais, por meus irmãos, por Anita e por todos os amigos que estiveram
sempre ao meu lado.
Apesar de ter nascido
na cidade vizinha de Itapipoca, minha cidade do coração é Itapajé. Sou devedor
a ela pelos momentos que nela vivi na minha infância. Mesmo longe de Itapajé,
eu nunca me esqueço dela. O que pretendo fazer é uma retribuição muito pequena,
comparada a tudo que ela merece.
Sejam dados graças e
louvores a Deus por tudo!”.
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FONTES:
Textos de: Lesley Dornellas, autor do livro, aqui transcrito.
Fotos: Ribamar Ramos - Internet e outros.
FRASE DO DIA
“QUANTO A MIM ESCREVO ATÉ ESTE PONTO; O QUE DEPOIS SE PASSOU, TALVEZ OUTRO QUEIRA TRATÁ-LO”. - XENOFONTE
Por hoje, 15 de fevereiro de 2015 é o que tenho para contribuir, mesmo que modestamente, para um melhor conhecimento de nossa Rica História. Nossos conterrâneos precisam conhecer melhor seus filhos ilustres e os principais fatos de sua história. Acredite: É possível tornar a História de Itapajé mais conhecida, principalmente por e para seus filhos! Basta não desistir!!!" Ribamar Ramos.
Ribamar Ramos
Fortaleza 15 de fevereiro de 2015
BOM DIA / BOA NOITE
"Acreditem: É possível tornar a História de Itapajé mais conhecida, principalmente por e para seus filhos! Basta não desistir!!!" Ribamar Ramos
Muito linda esta história, queria ler este livro que eles falaram so sertão cearense as barrancas do acre. como eu conseguiria.
ResponderExcluirQue incrível, o legado dele vai ecoar na história de Itapajé! Outros serão movidos por esse testemunho e tbm agirão!
ResponderExcluirObg José Maria Melo pelo seu coração, Obg Ribamar Ramos por nos deixar saber de tudo isso.
Que linda história
ResponderExcluir