quarta-feira, 13 de junho de 2012


JÚLIO PINHEIRO BASTOS – O PROTAGONISTA DA “GRANDE CILADA”.
(2ª. Parte - Final)

“ASSASSINO DO EX-PREFEITO CHEGOU E FOI INTERROGADO – (CORREIO DO CEARÁ – FORTALEZA – 26 DE DEZEMBRO DE 1970 – SÁBADO)”.

“Encontra-se preso, incomunicável, no Quartel da Polícia Militar, o pistoleiro Manoel Firmino Barbosa, mais conhecido por Manoel Simão, capturado em Macapá e que na última Quinta feira chegou escoltado a nossa capital, viajando num “Boeing”. Manoel Simão é autor do assassinato do ex-prefeito de Itapajé, Francisco Teixeira Braga, ocorrido na noite de 1.º de dezembro de 1957, naquela cidade do interior.
O comerciante Jurandir Araújo que havia sido preso por determinação da Secretaria de Segurança, logo após a chegada do pistoleiro foi posto em liberdade, já que houve um engano, pois mandante do homicídio, não foi ele e sim um seu irmão cujo nome não foi revelado e que se encontra foragido.
Na época do assassinato do capitão Braga, foram presos e confessaram o homicídio os indivíduos Francisco Pereira Lima, o Carga Torta e João Tomaz de Oliveira, o Piauí, ambos apontaram Júlio Pinheiro Bastos, como mandante, que ainda esteve preso por mais de 2 anos.
FUGIU COM MEDO – Logo após a chegada de Manoel Firmino Barbosa  foi tomado o depoimento na Secretaria de Segurança, quando voltou a afirmar, o que havia dito às autoridades policiais em Macapá, quanto a autoria do assassinato.
O mandante do crime, um irmão de Jurandir Araújo pagou o dinheiro, mas o pistoleiro teve medo de ser morto a mando do seu contratante.
Fugiu para Belém e depois para Macapá, onde estava trabalhando como agricultor.
O coronel Hamilton Holanda Teófilo, Secretário de Segurança que ouviu o pistoleiro logo após sua chegada a fortaleza, determinou imediatas diligências para a captura do verdadeiro mandante.
Na Segunda feira será requerida a Justiça a prisão do autor e do mandante do crime”.

A seguir, transcrição, na integra, do Livro: O CRIME DE ITAPAJÉ E A RECENTE SENTENÇA, de autoria do Dr. Colombo Dantas Bacellar, editado em 1959. A transcrição abaixo foi também veiculada no jornal Gazeta de Notícias, páginas 3 e 4, do dia 12 de julho de 1959. Vale salientar, mais uma vez, que tenho em meu poder, os dois documentos ora divulgados.
 
“ANTES DA SENTENÇA”
(PÁGINA 5)

“Após ano e meio de injusta prisão, três dos quatro injustamente acusados pelo crime de Itapajé esperam, enfim, voltar em breve ao gozo de sua liberdade.
Sobre o caso, procedeu-se a ilegal e incabível inquérito policial MILITAR” (I.P.M.), que é indigno de fé, eivado de paixão, pleno de erros e abusos, e constitui verdadeiro corpo de delito contra quem o presidiu. Afora outras monstruosidades de menor tomo, ai se forjicaram as bases da versão inveraz, que se preestabelecera, sobre a autoria do crime, para se perfazer a trama caluniosa contra Júlio Bastos. Utilizou-se então pessoa conhecida e reconhecida como débil mental (Francisco Pereira Lima, vulgo “Carga Torta”, ou Chagas”) que foi detido ilegalmente; e impingiram-se-lhe, mediante sugestão fácil, os imputes convinháveis à versão policial prévia. Logo após, um dos moradores de Júlio Bastos - (João Tomás de Oliveira, vulgo “Piauí”, também detido ilegalmente) foi forçado – mediante surras e ameaças de morte – a repetir as maluqueiras  de “Carga Torta”, para se acusar do que não praticara e atribuir ao patrão mandato criminal que dele não recebera. Posteriormente, a perícia de dois psiquiatras (Drs. Gerardo da Frota Pinto e Wandick Ponte, nomeados pelo Dr. Floriano Benevides, então Juiz de Direito de Fortaleza e agora Desembargador) apurou, entre outras coisas, que “Carga Torta” é oligofrênico, ou débil mental, e tem a idade mental aproximada de 11 anos, além de hipobulia e sugestibilidade fácil, enquanto o jornalista Juarez Furtado Timóteo – reproduzindo sua reportagem do “Correio do Ceará” de 13-12-1957 – depunha em Juízo a respeito das ameaças de morte que o encarregado do inquérito cometera contra “Piauí”, para lhe extorquir falsas declarações. E tal narrativa – a Juarez contou-a o próprio militar que presidia o I.P.M. e que a essa violência chamava de ARDIL POLICIAL. O que no caso mais admira é como – em terra civilizada – puderam surtir efeito vilanias tão perversas; e ficarem elas impunes admira ainda mais.
Denunciados os quatro réus (os dois caboclos referidos a titulo de mandatários, além de Júlio Pinheiro Bastos e José Humberto Pontes a titulo de mandantes), seus defensores, argüindo sua imparticipação no crime, alegaram – para estes a inexistência do mandato e para aqueles a ocorrência de ALIBI; e afinal, em face à prova do Sumário, requereram a impronúncia dos últimos e a absolvição liminar dos primeiros.
O honrado Promotor de Justiça, conquanto pedisse a absolvição sumária de “Piauí”, pela prova cabal do ALIBI, e a impronúncia de Humberto, pleiteou, contudo, a pronúncia dos dois outros. E os ilustres patronos da Assistente, sem requerer a pronúncia de Humberto, pediram-na, porém, para os demais réus.
O douto Juiz sumariante, o quarto que serviu no processo, apreciou muito bem a prova dos autos, para – em recente sentença – absolver preliminarmente a “Piauí”, pela verificação plena do ALIBI,  e impronunciar os três outros acusados, por não haver – contra eles – quaisquer indícios da autoria criminosa.
Quanto à absolvição de “Piauí”, é obrigatório o recurso, que já foi interposto pelo próprio Juiz sentenciante. Quanto à impronúncia dos demais, entretanto, o recurso é voluntário, ou facultativo às partes e à Assistente; de tal sentença o honrado Promotor de Justiça deixou de recorrer, dentro do prazo legal, que já se esgotou; mas estimamos que dela recorra a Assistência, pois então – na contraminuta dos recorridos – precisamos dizer quem são os maiores suspeitos de mandantes, no hediondo crime que vitimou o Cap. Francisco Teixeira Braga.
Para restabelecer a Verdade e rechaçar suspeitos maliciosas ou boatos irresponsáveis, publicamos a seguir a sentença referida, que julgou bem o caso e conclui pela improcedência da acusação.
“Carga Torta” – alternada ou sucessivamente – atribuiu a três pessoas diversas a autoria intelectual do crime, e durante o inquérito assumiu – além dessa – várias outras atitudes, que por si sós lhe demonstravam a insanidade mental, sem dependência de perícia médica. Esse pobre oligofrênico, todavia, tinha de ser o instrumento propicio aos maus intuitos e às paixões policiais; e para eles e para elas suas falsas declarações de deficiente psíquico valiam apenas quando insufladas contra Júlio Bastos. Tais declarações – contra ele mesmo ou contra outros – são meras doidarias de mentecapto, que podem apenas surtir efeitos – para sua internação em nosocômio apropriado ao seu tratamento; e de maluquices tais não lhe cabe a culpa, mas àqueles que lh’as impingiram de má fé – para malfazer a pessoas inocentes.
Maus instintos e paixões armaram tamanha insídia, que alcançou os acusados; mas a estes valha, ao menos, a segurança de que, se tarda em vir a Justiça, é porque não vem depressa – no caminho da Verdade.
Fortaleza, 10 de julho de 1959.
Prof. Clodoaldo Pinto
Evandro Leite Viana
Yvan Ribeiro Parahyba
Fidélis Alves da Silva.

A SENTENÇA
(PÁGINA 7)
“Não constitui indício para pronúncia a confissão de um débil mental não confirmada em juízo. Não se anula inquérito, mas se procedido de forma irregular, seu valor probante é nulo.
Quando o acusado for civil, e o crime não for praticado contra a segurança externa e instituições militares, o Inquérito Policial Militar não é de ser aplicado.
Na autoria intelectual é necessária uma convicção segura de sua existência, sem dar margem a dúvidas”.
A primeiro de dezembro de 1957 foi assassinado nesta cidade o capitão Francisco Teixeira Braga. Diante do ocorrido, houve por bem o Sr. Coronel Comandante da Polícia instaurar um inquérito Policial Militar, delegando poderes a Oficial daquela Corporação para presidi-lo. O ato foi publicado em boletim e a delegação foi igualmente do dia 2 de dezembro. Nesta mesma data, o Oficial encarregado indiciou o respectivo escrivão, originando-se o IPM dos autos.
Em casa da vitima foi realizado o exame cadavérico. O laudo está datado de 1.º de 12, certamente por equivoco.
Iniciada a fase inquisitória do IPM, com o depoimento de Antônio Felino Bastos, surgiu o primeiro suspeito, ou seja Isaias Ramos. Mais dez pessoas depuseram, todas acusando a Isaias, ocupando tais declarações até a fls. 48 dos autos.
A 6 de dezembro (fls. 49), foi endereçado “ao Júlio Bastos” um pedido de informações sobre suas atividades no dia do crime. Desse momento surgiu no processo a primeira suspeita contra o então prefeito deste município. A resposta do mesmo dia, se encontra a fls. 59.
Três dias depois foi feito “o auto de qualificação e interrogatório” de João Tomás de Oliveira, vulgo Piauí, de que nada resultou, pois suas afirmações não o incriminavam como autor do bárbaro homicídio.
Preso em Irauçuba, e conduzido a Fortaleza, ali, a 8 de dezembro, foi procedido ao interrogatório de Francisco Pereira Lima, vulgo “Carga Torta”, que em resumo confessou: que há oito anos trabalhava para Júlio Pinheiro Bastos; que cerca de quatro dias antes do crime, às dezoito horas, Júlio encontrou-se com ele na avenida velha e combinou a empreitada para assassinar o Capitão pela quantia de Cr$  5.000,00; que efetivamente cumpriu a tarefa, assassinando a vitima, sem auxilio de cúmplice; que no dia seguinte, pela manhã, quando foi receber, na Fazenda Santa Cruz, a paga do crime, Júlio o ameaçou de morte se ele novamente aparecesse ali; “que ignora se o caboclo Piauí tenha conhecimento do crime”.
Foi interrogado Júlio Pinheiro Bastos que negou inteiramente a acusação de Carga Torta, originando-se dai o “termo de reconhecimento” e acareação de fls. 79 a 80, procedido entre os dois acusados.
Já com a presença do ilustre Procurador da Justiça Militar, o inquérito militar prosseguiu com uma acareação entre Júlio e Piauí.
A fls. 87 um “termo de reconhecimento, digo, um “termo de esclarecimento” foi procedido entre Carga Torta e Piauí, resultando que aquele acusado mudou inteiramente sua primitiva confissão, modificando-a, e acusando a João Tomaz de Oliveira como co-autor do homicídio. Carga Torta afirmou, sob protestos do outro acusado: que “quando deu a facada no cap. Braga e que o mesmo saiu em direção da avenida, Piauí acabou de matá-lo”; que “esclarecendo melhor”, Piauí segurou a vitima pelas costas e Carga Torta esfaqueou-a”.
No dia seguinte, isto é, 11 de dezembro, Carga Torta prestou novo interrogatório, e “retificando em parte seu interrogatório anterior” declarou  que ficou no alpendre, ao passo que Piauí acompanhava os passos do Cap. Braga; “que Piauí segurava o homem com todo o talento de sua força, e nesta ocasião o acusado saiu ligeiramente de seu esconderijo, com a faca na mão e furou a goela do Cap. Francisco Teixeira Braga”.
Novo interrogatório foi prestado por Piauí (fls. 98), e a 12 de dezembro realizou-se o reconhecimento do local do crime, quando então Carga Torta “chorou convulsivamente, dando verdadeiros ataques”(fls. 100), e fez juntamente com Piauí a reconstituição do crime.
Piauí prestou seu terceiro interrogatório a fls. 102, quando vendo “as manchas de sangue, sentiu remorsos” e resolveu confessar “de sua livre e espontânea vontade” a autoria do fato delituoso. Confirmou o último interrogatório de Carga Torta, salientando que o encontrou na avenida se deu não entre Júlio e Carga Torta, mas com o concurso dos três.
Afirmou ainda que cometeu diversos crimes de morte anteriormente, e que iria assassinar Carga Torta, chegando a dar-lhe uma carreira, quando aquele acusado fora receber o dinheiro em Santa Cruz.
A fls. 109, foi procedida uma acareação entre Piauí e o Prefeito, aquele confirmando sua declaração anterior, e este negando qualquer participação no fato criminoso. O oficial encarregado do IPM procedeu a um “relatório sucinto”, e remeteu o inquérito ao Dr. Juiz da Comarca, que ouvindo o Ministério Público, decretou a prisão preventiva dos três acusados.
Continuou o inquérito, e desta vez, baseado em declarações de Expedito Rodrigues Barreto, foi incriminado mais um co-réu, ou  seja, José Humberto Pontes.
Finalmente, depois de prestados 59 depoimentos, interrogatórios e acareações, foi apresentado o longo e minucioso relatório, peça aliás muito bem redigida pelo encarregado do IPM. Afirma ele, com o que concordo inteiramente, “que lamentável e por todos os títulos revoltantes é o fato de se haver praticado um crime de homicídio, numa cidade onde se encontrava várias pessoas presentes, e debaixo da iluminação pública, e nenhuma delas haver presenciado qualquer gesto que denunciasse a tragédia (fls. 205)”, e finaliza a bem elaborada peça solicitando a prisão preventiva de José Humberto, lamentando a exiguidade de tempo para prosseguir nas investigações.
Remetidos os autos ao poder judiciário, o titular da comarca declarou-se suspeito para continuar a funcionar no processo, resultando a designação do DD. Juiz de Pentecoste, que recebendo a denúncia (fls. 255 a 273), rejeitou o pedido de prisão preventiva de José Humberto, “à falta de indícios satisfatórios e suficientes”. Depois de diversos incidentes, sem ralação com o processo, foram procedidos os interrogatórios. Carga Torta nada adiantou sobre o crime, de nada se recordando da fase policial; Piauí negou inteiramente sua confissão policial, alegando coação, e reafirmou estar em casa de Antônio Alexandre na hora do crime. Igualmente Júlio Bastos reafirmou nada ter a ver com o delito, declarando ser Carga Torta um louco; José Humberto acusou frontalmente a Expedito Barreto como “levantador de calúnias”.
Contestada a denúncia, foi mandado proceder um exame psiquiátrico em Francisco Pereira Lima, e o Juiz nomeou de antemão um curador para aquele acusado.
Finalmente, a 1º de março de 1958, foi iniciado o sumário. Da acusação depuseram 8 testemunhas. Surgiu então um incidente, no meu entender extrajudicial, a respeito de um dos acusados haver reassumido as funções de prefeito.
A prova da defesa teve inicio. Testemunhas depuseram, todas arroladas no máximo legal. Parte desta prova já foi por mim dirigida, designado que fui para jurisdição especial no processo, à falta de juiz desimpedido. Resolvi ouvir duas testemunhas não arroladas, e procedi uma acareação de que resultou a retratação de declarações de uma testemunha, ou seja Gerardo Rodrigues Mota.
Em razões finais, todas honrando os ilustres causídicos que as subscreveram, o MP opinou pela pronúncia de Júlio Pinheiro e Francisco Pereira Lima, pela impronúncia de José Humberto, por falta de prova, e finalmente solicita a absolvição liminar de João Tomaz de Oliveira, por se configurar o “alibi perfeito”. A douta Assistência se bate pela pronúncia de três dos acusados e a defesa sustenta a inocência de todos os incriminados no rumoroso crime.
Cumpre salientar que durante minha permanência no processo, os ilustres advogados souberam dar uma soberba demonstração de ética profissional. Os debates se travaram em torno de idéias e pontos de vista jurídicos, e nunca desceram a retaliações pessoais.
Isto posto:
Para facilidade de estudo dividirei o assunto em partes distintas, pois dado o volume dos autos (740 fls.) , e a quantidade da matéria a ser examinada, somente por este método o decisório poderá fugir à prolixidade.

JOSÉ HUMBERTO PONTES
(página 10)

O Ministério Público baseou-se em depoimentos de Expedito Barreto para a denúncia contra José Humberto. Assim o fez, louvado em segundas declarações prestadas por aquela testemunha, a qual, em resumo, afirma, na Segunda vez que depois, que José Humberto lhe oferecera Cr$ 3.000,00 para que fosse eliminada a vitima. Já em declarações anteriores, o mesmo Expedito afirmou que nada sabia quanto à materialidade do fato delituoso, e acusou frontalmente a Isaias Ramos, afirmando que ninguém dentro de Itapajé tinha coragem para tanto.
Em Juízo, Expedito ampliou mais seu segundo depoimento policial, fazendo uma carga cerrada contra José Humberto.
Sobre o mesmo fato a testemunha depôs três vezes, de modo contraditório: a primeira, omitindo inteiramente a participação de José Humberto e acusando a Isaias Ramos; no segundo depoimento policial passou a depor inteiramente diferente, para em juizo tornar mais vasto seu libelo contra Humberto, com diversos detalhes novos.
Entendo que este testemunho nenhum valor probante tem. Quando duas ou mais testemunhas depõem de modo contraditório, incumbe ao julgador selecionar a prova acolhendo a que, por seu livre convencimento, reputar verdadeira.
Mas, se uma mesma testemunha, sobre o mesmo fato, depõe de modo inteiramente diferente, ao juiz cumpre não tomar conhecimento dos depoimentos, pois para testemunhar a lei exige em primeiro lugar à idoneidade da pessoa, e testemunha que mente não é idônea, perdendo por este fato sua capacidade de servir como prova. Os mestres, em outras palavras, corroboram meu ponto de vista. Senão vejamos.
“A verdade, relativamente a um fato certo, determinado, concreto, é e não pode deixar de ser uma só. Assim não se compadecem com o testemunho idôneo afirmações contraditórias ou incongruentes. De declarações contraditórias não resulta prova alguma (Moacir Santos – Prova Judiciária, 3/177)”.
“Como, porém, a concordância entre as várias partes do conteúdo testemunhal é condição da eficácia probatória do testemunho, assim a contradição entre elas destrói o valor do testemunho (Malatesta – Log. Das Provas, 2/201)”.
É abundantissima a prova de que Expedito tem aversão ao que é verdade, como se verifica pelas inúmeras referências contidas nos autos. Há uma versão, contada pela própria pessoa interessada, de um “fuxico” armado por Expedito, entre o Cap. Braga e o vereador Letácio Alves Carneiro, de que quase resultaram vias de fato, em plena Câmara Municipal.
Falam as testemunhas de que ele envolveu certo vigário desta cidade em um caso com uma moça da sociedade local, de que resultou a retirada do sacerdote.
Além do fato em si do duplo depoimento que por si só invalida a prova, do conjunto dos autos verifica-se que, efetivamente Expedito é useiro e vezeiro na arte de mentir. Por mais esse motivo, e com maior razão, seu depoimento é imprestável, nulo e inexistente.
E se admitirmos, para argumentar, que as declarações de Expedito fossem verdadeiras, outro não poderia não poderia ser o caminho do julgador, senão a rejeição da denúncia. Não há na acusação de Expedito um indício sério, capaz de gerar uma convicção de que José Humberto tenha  qualquer participação direta no ato criminoso.

"Na figura da coautoria impõe-se a constatação da prestação de qualquer auxilio na prática do delito. No exame dos depoimentos não se deve aceitar uma acusação isolada, contraramente dos demais ele­mentos colhidos e que repelem referida conclusão (Ac. do T.J. do Ceará, IN Jurisp. Dout. 13/454)”.

E como a única presunção (e não indício) contra Jusé Hmberto era o depoimento de Expedito, de qualquer modo que se tomar suas declarações, a impronúncia é o único ca­minho que o julgador pode seguir, Se não houve nem ao menos fundamento para sua prisão preventiva, com muita mais razão é um imperativo legal a impronúncia na presente oportunidade, quando nenhum fato novo foi trazido ao sumá­rio para incriminar aquele acusado, tanto que a acusação insistia em seus propósitos, reconhecendo a insuficiência de provas.

PROVA EM RELAÇAO A CARGA TORTA - A pronúncia pode ser dada na falta de provas intuitivas, por indícios. Mas sempre entendi que não é qualquer indício que dá azo à pronúncia. ultimamente tem surgido certa jurisprudência, fruto da lei do menor esforço, que se vin­gar, dará motivo à abdicação da função do juiz singular no despacho de pronúncia, tornando-o uma excrescência proces­sual. Trata-se da pronúncia por qualquer motivo, e por qual­quer indício, por mais remoto que seja.
A se admitir tal orientação, a condenação pelo júri po­dará se dar por indícios remotos e sem maior valia.
Daí meu entendimento de que os indícios para a pronún­cia são indícios que provam, indícios sérios, e não meras suposições.
Por indícios veementes se entende os que ordinariamente acompanham o crime, e têm com ele inteira o íntima ligação. Por remotos se compreendem os que somente tocam acidentes do fato delituoso.

“Contam-se no número dos indícios remotos ou leves, a qaeixa imediata do ofendido, a fuga, a fama pública, a inimizade capital, a confissão extra­judicial, sendo expontânea, etç. (J. Mendes, Proc. Cri­minal, vol. 2/201, ed. 1911)”.

Por confissão se entende como o reconhecimento que alguém manifesta de um ato por si praticado e punível penalmente. “É a declaração da responsabilidade penal”, Antigamente a confissão era a prova por natureza, e considerada superior a todas as outras, “CONFESSIO HABET VIM REI JUDICATAE”.
Daí o emprego descriminado de torturas, principalmente na Idade Média, para extorquir, de qualquer maneira, a confissão do acusado, ressaltando às mais das vezes, injustiças clamorosas,
Posteriormente surgiu nova teoria repelindo inteiramen­te o valor da confissão. Resulta este postulado da afirmação de que se trata de um fenômeno anti-natural, “pois a natu­reza humana repele praticar ato que lhe traz prejuízo”.
A verdade está no meio termo, isto é, deve-se tomar a confissão “como a mais segura prova, a mais peremptória, quando satisfazendo certas condições, possa ser crida como verdadeira (Galdino Siqueira - Proc. Criminal, ed. 910/117)”. Mittermayer, o provecto mestre alemão, ensina que:
“A nua confissão não forma convicção do Juiz, e esta só pode ser formada com auxílio de presun­ções racionais. O Juiz deve verificar a confissão, re­correndo a outras fontes de informações existentes, e só deve aceitá-la se parecer-lhe ter o réu firme dese­jo de dizer a verdade (Tratado da Prova, 3.a ed. /297)”.
É esta a doutrina aceita na lei adjetiva de nosso país e consagrada no art. 197 do Código de Processo Penal.
Se na confissão feita perante autoridades judiciárias, os mestres e a legislação mostram tanta cautela, com muito mais razão se deve ter em conta interrogatórios policiais, examinado-os com o máximo cuidado.
É ainda Mittermayer quem, de modo lapidar, avalia a prova perante autoridade policial:
“Se a confissão foi feita perante oficial de po­lícia, o magistrado não deve esquecer que esses só procedem a interrogatórios sumaríssimos: que não deixam de recorrer freqüentemente às sugestões e às perguntas capciosas: e que deve sempre desconfiar dos meios de provocação empregados (ob. cit. 321)”.
Esta doutrina vem sendo sistematicamente seguida por nossos Tribunais, conforme exemplifica o seguinte acórdão, de uma clareza meridiana, e inserto na Rev. Forense:
“A confissão do acusado feita na polícia constitui simples indício e não prova suficiente do delito”. (146/453).
Carga Torta prestou diversos depoimentos no IPM, que importam em contradições constantes, quer com ele próprio, quer com as demais provas dos autos. Senão vejamos as inverosimilhanças mais palpáveis:
A) Disse que há cerca de oito anos trabalhava na Fa­zenda Santa Cruz. Ficou provado que tal afirmação era men­tirosa. É ele próprio quem declara a fls, 88 conhecer Piauí, “o morador conhecido por Bidega e Júlio Pinheiro, não conhecendo o nome de outros moradores e nem quantidade destes”, coisa inconcebível para quem mora 8 anos numa fa­zenda. A prova testemunhal é unânime em afirmar que tal declaração de Carga Torta não é verdadeira.
B) Afirma que cerca de quatro dias antes do crime realizou-se a empreitada na avenida velha, para na página se­guinte, do mesmo interrogatório (fls. 71), dizer que tal fato deu-se num dia de domingo, “oito dias antes do delito”.
C) Declarou que o contrato foi feito às dezoito horas (fls.71), para em seguida (fls. 80 v.), afirmar foi mais ou menos às vinte a três horas.
D) No seu primeiro interrogatório disse que praticou o crime sem cúmplice, Depois envolveu Piauí.
E) Relata que furou e Piauí acabou de matá-lo (fls. 87 v.), para logo em seguida, “esclarecendo melhor”, dizer que Piauí seguia o capitão Braga e ele Carga Torta permanecia à es­preita da vítima, para antes dizer que os dois ficaram aguar­dando o pranteado, escondidos no alpendre.
F) Carga Torta declarou que foi receber a paga prome­tida pelo crime, no dia seguinte, ou seja na segunda feira, na Fazenda Santa Cruz. Ficou provado que naquele dia ele tra­balhou para Isa Fernandes. Ninguém confirma Carga Torta. Ele não podia ter o dom que somente Deus possui, isto é, de estar em dois lugares ao mesmo tempo.
G) Apesar de se dizer empregado de Júlio, “após mo­mentos de reflexão” foi “preciso ser servido de um copo d’água e sentar-se numa cadeira” para reconhecê-lo. Aliás, nar­ra a prova testemunhal, que, quando no Quartel da Polícia, Carga Torta, ao ver o retrato do General Eurico Dutra, iden­tificou-o como a Prefeito de Itapajé... Dessas marchas e contra-marchas das declarações de Car­ga Torta, se deduz, sem probabilidade de erro, que são contra­ditórias, gerando uma confusão geral, reduzindo de muito o valor probante de suas confissões.
“Se forem contraditórias entre si declarações feitas no interrogatório, será difícil acreditar na sin­ceridade da confissão. Todas as variações graves são indícios positivos de mentira, pois se fossem verdadeiras, jamais variariam as declarações do acusado, pois emanaram de fatos certificados pela evidência material. (Mittermayer, ob. cit. página 351)”,
Das incoerências e incongruências de Carga Torta surgiu uma pergunta. Seria normal aquele acusado do ponto de vis­ta psíquico? Resultou dessa dúvida o exame médico procedi­do em sua pessoa, praticado por dois peritos de capacidade reconhecida, nomeados pelo atual Des. Floriano Benevides, um professor de Medicina Legal da Faculdade de Direito e outro igualmente Mestre de nossa Escola de Medicina, quais sejam os drs. Gerardo Frota Pinto e Wandick Ponte.
O diagnóstico acusou oligofrenia, na classe débil mental, com “inteligência reduzida a uma criança de onze anos”. Por oligofrenia (óligo-pouco, phreno-espírito) se entende, por “distúrbios da evolução cerebral em que a capacidade intelectual não atinge nível comum”. É estudada sob três aspectos: a idiotice, a imbecilidade e a debilidade mental. A perícia médico-legal catalogou Carga Torta na última clas­sificação. “Caracterizam a debilidade mental dois elemen­tos: a puerilidade e a sugestibilidade, Verdadeiras crianças grandes, em todos os seus atos revelam a puerilidade. São também extraordinariamente sugestioná­veis. Seus depoimentos, suas confissões não devem inspirar grande confiança (Hélio Gomes. Med. Legal, II/391)”. Almeida Júnior adverte que o testemunho dos débeis mentais não deve merecer crédito, pois “tais doentes apresen­tam, conforme o caso, anomalias suscetíveis de agravar ainda mais os erros dos testemunhos”. E prosseguindo afirma: “De qualquer maneira a criança normal ultrapassa na mentira a adulto normal. E se entrarmos a considerar a criança anormal - os oligofrênicos, os histéricos e os que tiveram encefalite - a proporção dos falsificadores da verdade então cresce assustadoramente (Medicina Legal pg. 519)”.
No “auto de reconhecimento do local da crime “(fls. 100), ao identificar a residência da vítima, Carga Torta “debruçou-se no muro, ao lado direito da casa, ande chorou con­vulsivamente, dando verdadeiros ataques”.
Também são do inquérito as fotografias de fls. 116. Numa Carga Torta”, prostrado diante do altar, pede perdão do cri­me praticado”, e noutra, “sofreu uma crise de nervos”. Pos­teriormente, caiu ao solo em sucessivos ataques - palavras textuais das fotografias juntas pelo encarregado do IPM.
Durante as audiências que presidi, verifiquei constante­ntente a conduta de “Carga Torta” ao assisti-las. Para exa­miná-lo pessoalmente foi que procedi a um segundo interrogatório. Em meio a tanto movimento, aquele acusado, ao contrário dos outros, não se interessava por nada, quedando-se estático, “abestado”, como com muita propriedade descrevem várias testemunhas seu comportamento social anterior. “O papel da justiça deve ser a investigação mais plena, mais minuciosa do estado mental do acusado­. Nem se diga que assim procedendo, apaga-se o papel do magistrado, e converte-se e1e em simples rubricador das sentenças dos peritos..,  É' de rigoroso dever apurar a condição psíquica do acusado, e quem mais competente para este exame do que o médico especialista, que tem experiência e prática desses cas­os, que pode descobrir as simulações mais ou menos ­engenhosas? Ninguém se rebaixa confiando às au­toridades competentes a decisão das questões técni­cas. só os ignorantes se atrevem a julgar as cousas pelo que não entendem... e como confiar a aprecia­do estado mental a quem não tem conhecimento de psiquiatria? (Viveiros de Castro – Atentados ao pudor)”. Diante de todas essas considerações e baseado sobretudo no exame médico, firmo a convicção de que não é lícito aceitar a confissão de Carga Torta como digna de fé para determinar pronúncia, tendo então de examinar a prova do sumário, para ver se posso tirar alguma conclusão a respeito do processo examinado.

PROVA EM RELAÇÃO A PIAUÍ
(PÁGINA 15)

Pelo conjunto dos autos, verifica-se claramente provada a coação exercida pela autoridade militar contra Piauí. Sua confissão foi forçada. A própria Assistência isto reconhece em sua bem elaboradas razões finais, quando afirma “que se coação houve, nunca se ouviu falar que se tratasse preso com amor e carinho”.
Há em suas declarações exageros que nenhuma pessoa normal teria coragem de afirmar. Assim  diz ele, dentre os muitos crimes executados, se recordar de três, praticados em 1927, 1928 e 1931, nas pessoas de Antônio Miranda, Benedito Preto e Dedé Bezerra, nas cidades de Amarante, Valença e Independência, respectivamente.
Sucede que Piauí àquela época era menor, não sendo lícito se supor fosse autor de tão horripilantes crimes, todos sem a menor punição.
Afirma ele ainda que deu “muitas facadas, surras e cacetadas” de ordem do Prefeito.
Todavia, nenhuma prova existe nos autos, juntas pela acusação de processos crimes ou inquéritos que provem essa assertiva.
Foram enviados telegramas aos juízes das comarcas onde teriam havido os homicídios praticados por Piauí, mas as respostas nunca foram juntas aos autos pelas autoridades policiais. A requerimento das partes, solicitei cópias dos telegramas acaso recebidos, e até o momento não se dignou o Sr. Secretário de Segurança de responder, de modo a justificar a não juntada das respostas das autoridades citadas.
Pelas declarações de Piauí (fls. 308 v.) , depois da reconstituição, aquele acusado foi transportado a Fortaleza numa camionete, e Carga Torta num “jeep”, ambos os veículos com militares armados.
Ao chegarem em local próximo a Caucaia, o “jeep” passou pela camionete e esta parou. Piauí foi retirado e conduzido para o mato, a uma distância de 20 metros da estrada.
Um oficial lhe disse que se não descobrisse seria morto, e logo em seguida, em tenente, escrivão do IPM, “disparou sua arma, sendo que a bala detonada passou a pequena altura da cabeça do acusado”. Neste momento Piauí ouviu um tiro à distância, sendo então informado de que Carga Torta já havia sido morto naquele momento, e “se ele não revelasse a autoria do delito também seria morto”.
Tal declaração vem confirmada inteiramente pelo conhecido jornalista Juarez Furtado Timóteo, homem de imprensa, valoroso e independente, cujas atitudes altaneiras devem servir de exemplo a todos os que lidam em jornais, e pessoas que merece fé, tanto que seu depoimento não sofreu o menor reparo ou restrições, quer por parte da acusação, quer por parte da defesa (fls. 447 a 450).
A versão de Piauí vem confirmada pelo jornalista, com uma pequena variação, pois somente foi omitido o tiro que (pág. 16) próximo daquele acusado. No mais concorda o depoimento com o interrogatório.
Juarez fez a publicação da reportagem sob o titulo “Na estrada deserta, sob o luar, a dramática confissão de Piauí”, descrevendo “o inteligente ardil” usado para conseguir a confissão do denunciado João Tomaz de Oliveira.
O encarregado do IPM ficou satisfeito, achando “que foi uma bomba” a reportagem publicada (fls. 448).
Com objetivo profissional, Juarez procurou saber do encarregado do IPM sua versão sobre a confissão questionada, e aquele, depois de dizer que “era uma história muito comprida”, acabou por confirmar inteiramente a reportagem de fls. 451.
Esse depoimento fala também do espancamento nos testículos feito no acusado e uma bofetada recebida da parte de um oficial.
O último fato foi testemunhado,  visualmente,  pelo repórter Nogueira Saraiva, da Ceará Rádio Clube, quando transmitia ao microfone, depoimentos do caso, diretamente do Quartel da Policia (fls. 448 v.).
Nem se alegue o exame superficial e lacônico feito em Piauí (fls. 12), pois há lesões que não deixam vestígios, como muito bem estudou o assunto o representante do M. Público.
Cumpre repetir e repisar que o ilustre Dr. Promotor reconheceu inteiramente como fruto de coação a confissão de João Tomaz, e a nobre Assistência igualmente, embora de modo indireto, a admite, quando em razões afirmou que “se coação houve, Polícia alguma trata acusado com carinho e amor”...
Quero crer que a Polícia estava convicta da culpabilidade de Piauí, justificando o fato, como um objetivo de descobrir a autoria do crime. Mas entendo que houve excesso, viciando inteiramente a confissão de fls. 102 a 104.
E se não bastassem depoimentos, a coação acha-se fotografada pela própria autoridade, na reconstituição do crime.
A fls. 123, na primeira fotografia, vêem-se os dois acusados (Piauí e Carga Torta) em frente à casa da vitima e uma praça armada de metralhadora “45 INA”. Na foto seguinte, nota-se perfeitamente, em primeiro plano, o cano de um fuzil, em posição obliqua, e novamente a metralhadora portátil, nas mãos de um soldado.
Obter-se a confissão de um acusado por meios dignos constitui um grande serviço à Justiça. Por outro lado, consegui-la por meios violentos e inconfessáveis, além de uma mancha para a autoridade que a obtém, é um meio de tumultuar o processo. E’ costume que deve ser banido. Ivan Santos, numa de suas obras, ensina que:
“as autoridades precisam se convencer de que devem cumprir rigorosamente a Lei, deixando de lado zelos e exageros que ela não acolhe nem permite. Demais não é só com a confissão do acusado que se apura o crime. As provas circunstanciais... poderão esclarecer o crime de modo completo, sem deixar a menor dúvida a respeito de seu autor. (Policia Judiciária, pg. 92)”.
Locard, uma das maiores autoridades em assuntos policiais na Europa, escrevendo sobre a policia européia e seus métodos, nas investigações criminais, doutrina que:
“Os funcionários de polícia jurídica convencidos de que só a confissão permite a organização do processo... esquecem que a tortura foi abolida há mais de séculos. Umas vezes o suspeito é esbofeteado cada vez que se recusa a reconhecer-se culpado...; outras vezes, e é pior: o suspeito é ilegalmente preso e deixam-no passar fome, até o momento em que uma refeição regada abundantemente com álcool, sucedendo a um jejum prolongado, aparece como o meio mais seguro de lhe soltar a língua. Costumes desta ordem são a vergonha das policias européias (Investi. Criminais e Métodos Científicos, pg. 23)”.
Em Fortaleza, há mais de dois anos, dois acusados irmãos confessaram um homicídio, indicaram o local do crime e foram inclusive pronunciados, apesar de terem se retratado em juizo, alegando coação policial. Qual não foi a surpresa de todos, quando na aproximação do júri surgiu a “vitima” viva e bem disposta, alegando que havia viajado para o Maranhão, donde voltara ao saber de seu “assassinato”.
Esse fato teve repercussão nacional (O Cruzeiro, de 20. 12. 58, pág. 92 e segs.).
É também conhecido o tremendo erro judiciário da justiça de Minas Gerais, em condenar um homem, e quinze anos depois, descobrir-se que o mesmo era inteiramente inocente.
Diante disso é que a jurisprudência guarda as maiores reservas quanto às confissões policiais, conforme os acórdãos enumerados abaixo, emanados de diversos tribunais:
“A confissão para ter valia deve ser livre e apoiar-se em outros elementos do processo (Sup. Trib IN Ver. Do STF, 26/34)”.
“A confissão extrajudicial não merece fé quando inquinada do vicio de coação, qual seja aquele manifestado após uma prisão ilegal de 8 dias (S. Paulo – Ver. Tribunais 159/599)”.
“As confissões perante a policia geralmente são provocadas. Provocar confissão é o mesmo que insinuá-la. Para que tenha valor de prova, a confissão, além de outros requisitos, deve ser feita livre e espontaneamente. Esses requisitos essenciais das verdadeiras confissões não podem existir naquelas que a policia provoca. No espirito do povo formou-se a convicção de que todas as confissões feitas perante a policia não são livres nem espontâneas. (Mato Grosso, Ver. Forense, 54/351)”.
“As declarações policiais não teem valor probante. A confissão extrajudicial é apenas indícios remoto, mormente se não foi espontânea, e sim resultado de sucessivos interrogatórios (São Paulo, Revista Forese, 151/540)”.
A maior prova da coação é o álibi invocado por Piauí. Trata-se de uma peça segura firme e idônea. Do conjunto dos depoimentos verifica-se que aquele acusado dormiu na noite do crime, na casa de Antônio Alexandre. Esta prova vem desde o inicio do inquérito uniformemente  narrada, sofrendo um único hiato no último interrogatório de Piauí (IPM).
As testemunhas dão todo roteiro de Piauí na noite do crime. Descreve cada uma pequenos detalhes, que conjuntamente formam um bloco indestrutível de prova negativa de culpabilidade, por intermédio do álibi.
Efetivamente, a 7 de dezembro de 1957 (7.12.57), quando “o autor da morte ainda não tinha sido descoberto”, antes da confissão de Carga Torta, Antônio Alexandre afirmou que “na noite do crime se encontrava em companhia de Piauí, e saíram cerca de 22,30hs., “pois já tinha dado sinal de apagar a luz”, em direção à casa da testemunha, na casa do, digo, na rua do açude, onde aquele acusado dormiu” (fls. 65)”.
Novamente Antônio Alexandre prestou novo depoimento, já depois de Piauí preso e acusado do crime, e manteve em seus termos seu primitivo depoimento.
Aquela testemunha tinha, juntamente com sua esposa uma banca de café, quando, na noite do crime, Piauí aproximou-se e tomou um café. Quando deu o sinal “de apagar as luzes, Antônio Alexandre arrumou as suas coisa, e saiu juntamente com sua esposa, Piauí e Santos Vítor, sendo que João Tomaz conduzia um tamborete e uma bolsa.
A casa de Alexandre,  Piauí resolveu dormir acordando de madrugada.
Essas declarações da testemunha. Aliás arrolada pela acusação, a qual não sofreu contradita, confirma “in totum” o interrogatório prestado em juizo, e as primeiras declarações de Piauí a fls. 64 IPM.
O álibi infocado em favor de Piauí vem também confirmado pelo depoimento de Ana Alexandre de Sousa (fls. 452). Esta testemunha, que viu Piauí deitado dormindo, permaneceu acordado, tratando de sua filha, e ainda à meia noite ouviu o ressonar do acusado.
Ana foi compromissada e prestou depoimento sem a menor contradita das partes.
Antônio Joaquim de Paula (f. 474) viu efetivamente Piauí, Santos Vitor, Antônio Alexandre e sua mulher na noite do crime, pouco depois do “sinal da luz”. Piauí levado “em uma mão um tamborete e na outra uma bolsa de palha, do tipo próprio para conduzir carvão, enquanto Antônio Alexandre conduzia uma mesa sobre a cabeça e a mulher deste levava uma trouxa na mão”.
João Eduardo Vieira (testemunha não contestada pela acusação) a fls. 476 viu também a passagem de Piauí com as três faladas pessoas, após a aviso de que se iria apagar a iluminação elétrica da cidade.
João Francelino (478), vizinho de Antônio Alexandre, viu a chegada de Piauí na casa da rua do açude.
Esta testemunha estava fazendo o chá para sua mulher que estava “com uma dor de lado”, enquanto a luz estava acesa. Afirma que Piauí conduzia “numa das mãos um banco e na outra uma bolsa feita de palha”.
Acresce salientar e repisar que as testemunhas citadas não foram contestadas, ou contraditadas.
Piauí não podia ter o Dom da onipresença, estando cometendo um crime, fugindo em desabalada carreira, e ao mesmo tempo acompanhando três pessoas e dormindo na rua do açude, distante cerca de 1 quilômetro da casa da vitima.
A prova do álibi é tão perfeita e acabada que a própria Promotoria é a primeira a reconhecê-la.
As testemunhas narram detalhes, que num conjunto formam um todo harmonioso e insofismável da não participação de João Tomaz no delito.
É medida de justiça o reconhecimento da inculpabilidade de Piauí como imperativo imposto pela prova dos autos.

O INQUÉRITO POLICIAL QUE DAR EM FACE AO CRIMES COMUNS
(página 19)

O inquérito policial é peça meramente informativa para a denúncia, tanto que esta pode ser oferecida presidindo dele. Dai a jurisprudência haver definido que se não anula inquérito.
“O inquérito é mera peça de informações que organiza os primeiros elementos para a acusação (Supremo Tribunal, IN Ver. Do S.T. Federal, 26/94)”.
“É apenas um elemento de instrução para efeito de denúncia (Idem, 49/140)”. “O inquérito, mero instrumento de denúncia e queixa, constitui a informação do delito que se vale o MP para instauração da instancia, mediante propositura da ação penal. Como tal, não se podem aplicar os preceitos que o Código estabelece para as nulidades (São Paulo, Ver. Tribunais, 164/470)”.
Nossos tribunais teem admitido, a ter certo ponto aceitar prova nele colhida, desde que harmônica com o sumário. Aliás, certas peças, como o exame de corpo delito, são procedidas na fase policial.
Mas aceitar uma prova falha, que não se confirma em juízo, num inquérito Policial Militar, instaurado por um comandante de UA, é forçar muito a lei, ou melhor dizendo é ir contra os mais comezinhos princípios de processualística.
Isto porque nossa lei adjetiva fala unicamente em inquérito policial, presidido por autoridade competente (Delegado). E procedido no local do crime.
O IPM realizado em Fortaleza, num recinto de um quartel, por autoridade militar, fere frontalmente a lei processual penal.
É um inquérito que teria serventia unicamente para a justiça militar e nunca como prova num crime de alçada comum. Aliás, tenho reconhecimento de que no Ceará, em casos como o presente, são procedidos sempre os dois inquéritos, um para os canais militares competente, e o outro destinada à justiça, dentro do rito comum, o que inexplicavelmente não foi feito no caso SUBJUDICE.
A irregularidade precisa ser combatida, pois trata-se de um intrometimento ilícito nas atribuições da autoridade legal, ou seja o Delegado de Policial (Art. 4 do CPP).
Não sei o em que dispositivo legal o ilustre da policial militar se baseou para determinar o IPM nos autos. Certamente andou mal informado a respeito do assunto.
O Art. 114, letra (A) do Dec. Lei 925, determina que o procedimento “ex-officio” compete à autoridade sobe cujas ordens tiver o Acusado, logo que o conhecimento dela chegue no crime que se lhe atribui. Donde se conclui que, em regra, só pode ser instaurado IPM quando o acusado for militar ou “assemelhado”, não se aplicando o disposto do Art. 4 único do C.P. penal no caso dos autos.
O Art. 88 do Código de Justiça Militar estabelece que os civis só estão sujeito ao foro militar, quando em cursos em crimes definidos por lei que atentem contra a segurança externa do Pais ou contra as instituições militares. O C. penal militar ampliou o conceito, envolvendo civis, quando a vitima for militar em serviço.
Os réus são civis. Não praticaram crimes que estivessem catalogados nos dispositivos especiais do C. P. Militar. E se “gratia argumentante”, o IPM tivesse valia, dentro da própria interpretação militar, ele é uma peça meramente administrativa sem valor probante algum. E processo administrativo, não se entrosando na esfera judicial.
Vale apenas transcrever o que a respeito escreveu Homero Prattes, um dos melhores e mais acatados comentaristas do Código da Justiça Militar:
“O IPM como ato extra judicial que é, da competência da autoridade administrativa, não é um processo regular que possa autorizar a condenação ou absolvição do acusado. E apenas uma informação preventiva e preparatória do juízo de culpa...
Não é mais que um instrumento, que se compõem de autos, termos, mandado, despachos, de um relatório e de uma solução. Pouco vale as declarações do acusado e das testemunhas feitas perante autoridade administrativa militar, desde que não sejam confirmada em juízo, na formação da culpa. Somente os exames periciais, DEVIDAMENTE PROVADOS,  digo, somente os exames periciais, devidamente julgados, as buscas e apreensões mantém seu valor probante independentes do que vier a ser apurado na INSTRUÇÃO PERANTE O CONSELHO (C. J. Militar comentado, pg. 115)”.
Dai mais um motivo para demonstrar que as confissões dos autos são imprestáveis. Além dos vícios já estudados, que as invalidaram inteiramente, acrescento o de terem sido feita de forma diferente do determinado por lei, pelo inquérito policial comum, previsto no Art. 5 e seguintes do Código do Processo Penal.

O SUMÁRIO
(página 21)

A prova do sumário é uma verdadeira decepção. Inicialmente é de lamentar que o povo de Itapajé leve tão a sério a máxima de Talleyrand, de que a palavra foi dada ao homem para ocultar o pensamento.
Não quero chegar ao ponto de Beccaria, de que “a testemunha diz a verdade quando não tem interesse em mentir”.
Mas na prova testemunhal dos autos, verifica-se claramente duas classes de testemunhas: as que têm interesse em mentir (Expedito Barreto e Gerardo Mota, este confesso), e as que omitem os fatos observados por covardia.
O medo das pessoas em depor certos fatos era clamoroso.
As testemunhas presenciais nada viram, apesar do crime se ter dado às suas barbas, a menos de 15 metros de distância, e ainda chegam a afirmar que pensavam tratar-se de um ataque do coração sofrido pela vitima...
O resultado disso tudo é que nada, absolutamente nada, ficou apurado no sumário em relação aos acusados, a não ser o álibi invocado por Piauí.
Há nos autos imensos depoimentos, cada testemunha depondo 8 horas seguidas. O resultado dessa maratona, em que as testemunhas foram interrogadas sobre o que não sabiam e não inquiridas sobre fatos que poderiam esclarecer, é inteiramente nulo. São depoimentos que nenhum esclarecimento trouxeram ao fato criminoso narrado na denúncia, senão torná-lo um mistério total e impenetrável.
Limitam-se as testemunhas a dizer o que sabem dos fatos pelas estações de rádio e jornais da capital.
Ditos depoimentos nenhuma valia têm, conforme jurisprudência mansa de nossos tribunais.
“Quem nada sabe do fato, nada sabe a seu respeito, nem por si, nem por informação de outrem, não importando o ser compromissada. (Goiás, Ver. Forense, 70/409)”.
“Não estabelecem prova as testemunhas que se limitam a reportar ao dito público, usando de expressões como “falava-se”,  “dizia-se”,  “era público”,  “era voz pública”, ou seja fazendo suas afirmativas sem dar razão de sua ciência (R.G. Sul, Ver. Forense, 86/421)”.
Dai meu entendimento de que no sumário chegou-se à estaca zero, isto é, estamos precisamente com 740 fls. do processo (4 massudos volumes), como se fora na autuação militar: a certeza da materialidade e a ignorância legal da autoria.
Os crimes que envolvem autoria intelectual sempre foram de difícil apuração.
Com a falta de meios científicos adequados para sua elucidação, somente por acaso a solução surge à tona.
É um contra-senso entregar a sorte dos acusados à decisão de uma sociedade composta de elementos que não tiveram hombridade moral e inteireza de caráter nem para testemunhar.
“Não se exige porém certeza de autoria ou cumplicidade do acusado para a pronúncia. Mas não bastam por outro lado indícios superficiais; exigem-se fortes e fundados, que induzam a presunção de não Ter sido outro se não o acusado cúmplice ou autor do delito (Borges da Rosa, C.P.P. Brasileiro, vol. II/ 502)”.
“A pronúncia não deve ser calcada em indícios vagos. Indícios remotos não convencem ninguém, (Starling, Prática Penal, pg. 106)”.
“Como indícios suficientes devem ser todos aqueles que permitem uma idéia fundada de co-autoria, sem probabilidade de erro, não podendo se admitir entre eles os de caráter remoto. (Ceará. Jurisp. E Doutrina, 9/427)”.
“Em matéria de autoria intelectual, não se pode aceitar qualquer gênero de prova, afim de haver a mesma como apurada. Pelo contrário, é mister que semelhante prova seja completa, isto é, plena, cabal (S. Paulo, Direto, vol. IX/427)”.
“Não permitindo a análise da prova a convicção absoluta da autoria criminosa alegada, impõe-se a absolvição do réu apelante (Ceará. Jurisp. E Doutrina, 23/ 456)”.
Co-autoria significa intenção voluntária DE CONCORRER PARA O EVENTO CRIMINOSO, E SOMENTE EM INDICIOS SUFICIENTES É QUE SE PODE FIRMAR UMA IDÉIA PRECISA DE RESPONSABILIDADE (Ceará, idem, 10/438)”.
Se tivesse havido um real interesse, se a paixão política e espirito de classe não houvessem cegado os homens, acredito que a autoria tivesse facilmente sido apurada, sem deixar a menor dúvida.
Ao juiz não é licito julgar senão pelo que consta do processo. E o exame dele não deixa dúvida quanto à fragilidade e insuficiência de provas.
Isto de certo modo a própria Promotoria reconhece, incorrendo num único equivoco, na parte conclusiva de suas minuciosas razões finais. E’ o de que fatos negativos não se provam. Ninguém é obrigado a provar que não cometeu um crime. Compete à acusação provar a autoria, ou seja o fato positivo. Se não o faz, é imposição a absolvição do réu.
A defesa só é obrigada a provar fatos positivos: legitima defesa, estado de necessidades, insanidade mental, etc. Mas força-la a provar a inexistência de um fato e se exigir o absurdo, o impossível.
Por isso lamento discordar em parte do representante do Ministério Público, quando levantou sua teoria do “ego”, e pediu a pronúncia de dois dos acusados.
A douta Assistência igualmente reconhece a fragilidade de provas. Basta ler seu extenso arrazoado de fls. para se verificar tal cousa, aliás dito de modo claro e preciso, ao sentir que “realmente a prova testemunhal é falha em vários aspectos”, fundando-se afinal na não catalogação do “in dubio pro réu” para a pronúncia (fls. 671).
Nosso Tribunal já firmou jurisprudência de que a prova do alibi autoriza a absolvição liminar (Jurisprudência e Doutrina, 12/344)”.
O Juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova (art. 157 do C.P. Penal).
Determino se extraiam cópias dos depoimentos de Expedito Barreto e Gerardo Rodrigues Mota, e sejam enviadas ao Dr. Promotor: o primeiro por incorrer em crime de falso testemunho, e o segundo por obstar a ação da justiça. Gerardo, em virtude de antes de final julgamento haver se retratado, evitou ficar incurso na mesma pena prevista para Expedito.
Diante do exposto, julgo improcedente a denúncia de fls. e impronuncio Francisco Pereira Lima, Júlio Pinheiro Bastos e José Humberto Pontes, por falta de provas suficientes, e absolvo liminarmente João Tomaz de Oliveira, na forma do art. 411 do C. Processo Penal. Publicada em mão da escrivã. Cumpra-se. Do decisório de Piauí recorro ex-officio”.
Itapajé, 24/6/1959. - Colombo Dantas Bacellar. - Juiz de Direito

  

Ribamar Ramos
Boa noite / Bom dia!
FRASE DO DIA
“A justiça pode irritar porque é precária. A verdade não se impacienta porque é eterna.” - Rui Barbosa.

OS PERSONAGENS ENVOLVIDOS NO "CASO ITAPAJÉ"












Um comentário:

  1. há 55 anos atrás morria assassinado o capitão francisco teixeira braga,tragicamente horrivel julio pinheiro bastos foi confundido como ladrão mas o verdadeiro é cassado.

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